Vale-pedágio: um direito suprimido do transportador rodoviário de cargas e a correta interpretação legal

Por Mirielle Eloize Netzel*

 

Apesar de ter sido criada há quase 18 anos, a Lei nº 10.209, de 23 de março de 2001, que instituiu o vale-pedágio obrigatório sob o transporte rodoviário, precisa de um novo exame para esclarecer o direito assegurado ao transportador rodoviário de cargas. Muitas vezes, a Lei é interpretada erroneamente pelo Judiciário em detrimento do descumprimento escancarado dos embarcadores e contratantes do serviço de transporte, que deixam de custear o pedágio do transporte contratado e descontam, indevidamente, os custos do transportador autônomo.

Para explicar de um jeito prático o assunto, separei o conteúdo em formato de perguntas e respostas. Assim é possível conhecer o direito, a lei e as sanções decorrentes do seu descumprimento.

 

1. O que é o vale-pedágio e qual é a lei?

A Lei do Vale-Pedágio, nº 10.209 de 2001, regulamentada pela Resolução ANTT nº 2885/2008 e Resolução ANTT nº 3850/2012,  surgiu com o principal objetivo de proteger o transportador autônomo de cargas e isentá-lo do pagamento do pedágio.

 

2. Como o pagamento do vale-pedágio deve ser feito?

Nos termos do artigo 3º, §2º, da legislação aqui tratada, o vale-pedágio deve ser antecipado e entregue ao transportador autônomo, no ato do embarque do serviço contratado, através de um cupom, cartão eletrônico ou pagamento automático de pedágio.

Em se tratando de cupom, o transportador deve receber cupons do contratante e usá-los para o pagamento dos pedágios nas cabines de cobrança. O cartão eletrônico, por sua vez, exige que o contratante carregue o valor correspondente aos pedágios existentes no trecho a ser percorrido, devendo constar no comprovante as informações do responsável pelo carregamento do cartão. E, por fim, para realizar o pagamento automático de pedágio, é exigido ao contratante do transporte que ele se cadastre nas empresas habilitadas pela Agência Nacional dos Transportadores Terrestres (ANTT), para a obtenção de um código de dispositivo eletrônico do transportador que será utilizado para liquidar o valor do pedágio.

 

3. Para fins de cumprimento a Lei, basta então que o contratante e/ou embarcador entregue ao transportador autônomo o cupom, cartão eletrônico ou pagamento automático de pedágio?

Não. É necessário voltar a sua atenção para esse ponto. Em quaisquer das modalidades de pagamento escolhidas, o responsável pelo pagamento deve, obrigatoriamente, emitir um comprovante e anexá-lo ao documento fiscal que acoberta o transporte, mediante a aposição de um código gerado para facilitar a fiscalização.

 

4. O pagamento do pedágio pode ser efetuado em dinheiro, separadamente do valor do frete?

Definitivamente não. Aquele que efetuar o pagamento do pedágio em dinheiro, ainda que separando-o do valor do frete estará descumprindo a lei, criada justamente no intuito de coibir que o pedágio possa, ao final, ser custeado ilegalmente pelo transportador.

Novamente, devemos redobrar a nossa atenção, pois, a aceitação do pagamento do pedágio em dinheiro, somente pelo fato de constar em separado do valor do frete é um dos erros mais comuns e é prova incontestável do descumprimento da legislação.

 

5. Havendo o descumprimento da Lei do Vale-Pedágio, quais são as sanções cabíveis?

Nos termos do contido no artigo 5º, da Lei nº 10.209/2001 e artigo 20, aquele que infringir a Lei do Vale-Pedágio estará sujeito a aplicação de multa administrativa de R$ 550,00 a R$ 10.500,00.

Além da penalidade administrativa, o infrator ficará obrigado a indenizar o transportador autônomo de cargas que não receber o vale-pedágio e que tiver os custos do pedágio pagos em dinheiro, descontados ou não do valor do frete, no valor correspondente ao dobro do valor do frete, conforme regra esculpida pelo artigo 8º, da Lei nº 10.209 de 2009, além do ressarcimento dos custos do pedágio.

 

Exemplificando:

Sou transportador autônomo de cargas e fui contratado para a realização do transporte de determinada mercadoria, mediante o pagamento do frete de R$ 2.100,00. Constou no documento do transporte separado do valor do frete a quantia de R$ 400,00 como custos do pedágio. Recebi R$ 2.500,00 e gastei R$ 396,00 com pedágios. Qual é o meu direito e em qual quantia devo ser ressarcido?

Lembre-se: pagamento em dinheiro não serve para fins de cumprimento a lei, ainda que seja separado do valor do frete.

Então, tenho direito ao ressarcimento dos valores gastos com o pedágio (R$ 396,00) mais a indenização prevista no artigo 8º da Lei 10.209 de 2009, correspondente a duas vezes o valor do frete (R$ 2.500,00 x 2 = R$ 5.000,00). No total, devo ser ressarcido em R$ 5.396,00.

 

6. De quem devo exigir o ressarcimento de valores gastos com o pedágio e a indenização prevista pelo descumprimento a Lei?

A lei atribui obrigatoriamente a responsabilidade pela antecipação do vale-pedágio aos embarcadores e/ou contratantes do serviço. O embarcador deve ser entendido como o dono da mercadoria a ser transportada.

A lei equipara ainda, aos embarcadores e qualifica como responsáveis pelo pagamento o contratante do serviço que não seja o proprietário da carga e a empresa transportadora que subcontratar o serviço de transporte de carga prestado por um transportador autônomo.

O direito ao ressarcimento de valores e a indenização derivada do descumprimento a Lei, deve então, ser exercido contra o dono da carga, o contratante do serviço, ainda que não seja proprietário ou a empresa que subcontratou o serviço, podendo ser exigido contra um ou contra todos.

 

* Mirielle Eloize Netzel é advogada, sócia e coordenadora da área cível do Escritório Motta Santos & Vicentini.

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