NÃO RECOLHER O ICMS DECLARADO PODE SER CARACTERIZADO COMO CRIME

No dia 22 de agosto, a Terceira Sessão do Superior Tribunal de Justiça, por 6 votos a 3, considerou crime o não recolhimento do ICMS declarado ao fisco estadual. A decisão foi proferida em pedido de habeas corpus de empresários que não pagaram valores declarados do tributo, depois de repassá-lo este custo ao cliente. A prática foi considerada como apropriação indébita tributária, penalmente tipificada.

Esta decisão põe fim à divergência de entendimento existente entre as turmas de direito penal da corte. A 5ª turma considerava a prática como crime. Por outro lado a 6ª turma tinha o entendimento de que o simples inadimplemento do tributo não é crime.

O habeas corpus foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que afastou sentença com absolvição sumária dos réus. A defesa dos empresários alegou que deixar de recolher o ICMS em operações próprias, devidamente declaradas, não caracteriza crime, mas mero inadimplemento fiscal.

No julgamento do STJ prevaleceu o entendimento do relator Ministro Rogério Schietti Cruz no sentido de que o valor do tributo é cobrado do consumidor e repassado aos cofres públicos, assim a retenção do valor do imposto pelo empresário deve ser considerada apropriação indébita, prevista como crime no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137, de 1990. A norma prevê como crime à ordem tributária o não recolhimento do tributo no prazo legal.

O Ministro relator destacou que a matéria tem grande relevância social e econômica. Para ele a conduta deve ser considerada crime para desestimular a prática, comum do empresariado, de não repassar o tributo aos cofres públicos por entender ser mais vantajoso dever ao Estado do que se submeter a empréstimos no sistema financeiro. No entendimento do Ministro, a  prática causaria grande prejuízo aos cofres dos Estados.

Para o relator é inviável aplicar a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária sob o argumento de que o mero inadimplemento do tributo é fato atípico. A conduta é ilícita e configura crime, devendo no curso da instrução criminal ser apurada dúvidas quanto o dolo do agente.

O Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, acompanhando o entendimento do relator, citou o julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE 574.706, que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS por entender que o imposto não é receita da empresa, mas valor que transita em suas contas e é repassado ao Estado, tratando-se de simples ingresso de caixa. O inadimplemento de tributo declarado configura o crime pelo fato do contribuinte se apropriar de valor de imposto destacado de terceiro, o consumidor final ou substituto tributário.

Diante deste posicionamento do STJ, todo inadimplemento de ICMS declarado ao fisco estadual será passível de investigação e denuncia criminal pelo Ministério Público para apuração do dolo. Em sendo demonstrado o dolo o empresário poderá ser condenado a pena de seis meses a dois anos de prisão, além de multa.

De acordo com o precedente a responsabilização acontece a partir do momento em que o contribuinte deixa de recolher o tributo, mesmo que ele tenha declarado. No caso, a responsabilização criminal surge antes mesmo da constituição definitiva do crédito. Isso traz prejuízos à defesa do contribuinte, pois antes mesmo de poder questionar o débito pode ser responsabilizado criminalmente. Ou ainda, caso o processo criminal tenham uma tramitação mais célere que o processo tributário, o contribuinte poderá ser condenado criminalmente e posteriormente ter o crédito tributário extinto, já que o crime se constitui no dia seguinte ao inadimplemento, enquanto que o crédito tributário só se constitui com o seu lançamento, que pode ocorrer em até cinco anos da data do fato gerador.

Ademais, o Fisco e o Ministério Público poderão utilizar da decisão como forma obliqua de cobrança do tributo, haja vista que a quitação do débito extingui a punibilidade. Contudo, caso o contribuinte opte pelo pagamento do tributo, renunciará a seu direito de defesa quanto à origem do crédito tributário.

O precedente é perigoso e pode criminalizar a atividade empresarial. Por vezes, sem qualquer intensão de fraudar ou prejudicar o fisco, mas em decorrência de problemas de fluxo de caixa, o empresário é obrigado a tomar decisões de qual conta pagar entre salários; fornecedores; prestadores de serviços; e tributos.

Por vezes toma a decisão de deixar de pagar os tributos para não prejudicar a continuidade de sua atividade empresarial e manter a relação de confiança com seus colaboradores e fornecedores.

A decisão tomada pelo STJ pode forçar o empresário, em um momento de crise financeira, optar por pagar os tributos em detrimento de salários e fornecedores, ou ainda, o força a socorrer de empréstimo bancário a juros exorbitantes, colocando em risco a continuidade da empresa.

A ineficiência e morosidade dos meios de cobrança do Estado não podem ser resolvidas com a criminalização da atividade empresarial como forma de coação ao pagamento do tributo.

O Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, veda a prisão por dívidas, exceto as obrigações alimentares. Em nosso entender a decisão do STJ ofende este preceito recepcionado no direito brasileiro como norma constitucional.

Paulino Mello Júnior

Advogado pós-graduando em Auditoria Integral, sócio e coordenador Tributário do Escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados e assessor jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná – FACIAP

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