Lei do Superendividamento

Inovações implementadas pela Lei do Superendividamento

Por Patricia Bazei*

Em 02 de Julho de 2021, entrou em vigor a Lei nº 14.181/2021, conhecida como a Lei do Superendividamento. Ela tem como objetivo aperfeiçoar a transparência na concessão de crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Dessa forma, a lei altera significativamente, a legislação consumerista e o Estatuto do Idoso. 

Sem dúvida, a razão da aprovação desse projeto de lei neste momento, está intimamente ligada à pandemia da Covid-19. Afinal, o empobrecimento do cidadão é notório e o crescimento das dívidas é consequência disso. Sendo assim, o tratamento especial a esse crônico problema se revelou importante ao legislador.

O princípio do crédito responsável decorre da interpretação constitucional em defesa dos consumidores, regulamentada pela nova lei e consiste na garantia de um acesso razoável ao crédito, pelo consumidor, que lhe assegure a manutenção do mínimo existencial.

Assim, além da inclusão de princípios, instrumentos e direitos do consumidor, no sentido de lhe prover garantias de práticas de crédito responsável e de prevenção e tratamento do superendividamento, a nova legislação ainda cria procedimentos próprios, judiciais e administrativos, que visam facilitar a revisão e a repactuação de dívidas.

Segundo a nova lei, superendividamento é a situação da pessoa natural que, de boa-fé, manifestamente não pode pagar a totalidade de suas dívidas, exigíveis e vincendas, sem comprometer o seu mínimo existencial, ou seja, sem comprometer os seus gastos com moradia, alimentação, saúde e afins.

Ressalta-se que os benefícios trazidos com a nova legislação não se aplicam às pessoas jurídicas, bem como, às dívidas contraídas pelo consumidor mediante fraude ou má-fé, oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou quando tratarem de bens ou serviços de luxo com alto valor.

A fim de evitar o superendividamento, a nova lei determina que no fornecimento de crédito ou na venda a prazo, além de atender às disposições já existentes no artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor ou intermediário deverá esclarecer previamente ao consumidor as condições do crédito fornecido, bem como, a sua identificação e entrega de cópia do contrato, o custo efetivo total do contrato, a taxa efetiva mensal de juros e sobre o direito à liquidação antecipada não onerosa do débito.

A nova legislação também veda que, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não, seja indicado que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito (SPC, Serasa, etc), sem avaliação da situação financeira do consumidor, ou ainda, ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo. Também fica vetado, assediar ou pressionar o consumidor para contratação de produto, serviço ou crédito e condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

O descumprimento das obrigações de fornecer informações adequadas ao consumidor no momento da contratação poderá acarretar a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo. Assim como, a dilação do prazo originalmente previsto, além de indenização por perdas e danos ao consumidor e outras sanções.

Além disso, há proibição expressa de cobrança de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada em cartão de crédito ou similar, enquanto não for devidamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor tenha notificado a administradora do cartão em pelo menos 10 dias antes do vencimento da fatura. Dessa forma, fica vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir esse valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada.

Quanto ao tratamento específico do superendividamento propriamente dito, a Lei nº 14.181/2021 também acrescentou três artigos (arts. 104-A, 104-B e 104-C) que tratam sobre a conciliação no superendividamento, o processo de repactuação de dívidas e o plano de pagamentos, novidades extremamente importantes.

Assim, a requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas. Será então, designada audiência conciliatória, presidida pelo juiz ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores das dívidas de que trata a art. 54-A da Lei, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos, preservando o mínimo existencial, as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Porém, por previsão expressa, excluem-se o processo de repactuação de dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, as dívidas oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como, as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural (art. 104-A, § 1º).

Este ponto da nova lei exige extrema cautela das empresas, vez que a ausência injustificada de qualquer dos credores à audiência de conciliação acarretará a suspensão da exigência do débito e a interrupção dos encargos da mora, assim como, a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida. Além disso, esse credor ausente somente irá receber após ter sido feito o pagamento dos demais credores que compareceram à audiência conciliatória

No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo deverá descrever o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada (§ 3º do art. 104-A).

Na hipótese de não existir êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.

Os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o PROCON, também podem realizar a fase conciliatória. É a chamada conciliação administrativa, prevista no novo art. 104-C do CDC.

Feita a ressalva de que os novos direitos trazidos pela Lei do Superendividamento somente se aplicam aos consumidores de boa-fé, é evidente o caráter evolutivo dos direitos do consumidor com as inovações legais trazidas, em especial aos consumidores com alto endividamento. Portanto, são bem-vistas pelo ponto de vista econômico. Afinal, a lei permite ao consumidor, sobretudo neste cenário de pandemia mundial, além de regularizar seus débitos, voltar a fazer novas compras a prazo e a contrair crédito, assim como, abrir novos negócios, aquecendo o mercado.

Por outro lado, as empresas devem se atentar para que, no momento da contratação garantam o fornecimento de todas as informações previstas na nova legislação, e adotem as cautelas necessárias para acompanhar adequadamente os pedidos de repactuação de dívidas formulados pelos consumidores perante o judiciário, sobretudo em razão das sanções trazidas na lei a respeito da ausência na audiência de conciliação.

*Patricia Bazei – OAB/PR 95.963- Advogada Cível no escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados.

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