Em qualquer comparativo com países desenvolvidos, vemos que a selva de tributos brasileira e sua complexidade não são normais. O Brasil é pródigo na construção de estruturas tributárias extremamente complexas, injustas, incoerentes entre si, de difícil compreensão, e que se alteram a cada dia. Essas características prejudicam o bom contribuinte, já que dá margem para diversas interpretações e brechas para sonegadores.
Há uma cultura embutida no consciente coletivo do brasileiro que trata o Estado como um fim em si mesmo. Como se fosse um ente estranho, dotado de interesses próprios e contrários à população, dotado de uma voracidade arrecadatória cega. Essa visão leva a população a lutar contra as forças arrecadatórias do Fisco como se fossem injustas, sem se atentar para ao finalidade máxima do Estado. Esta visão de um Estado maléfico se dá, obviamente, pela péssima qualidade da gestão pública, pelos constantes escândalos de corrupção, aliados à impunidade que afloram diariamente nos jornais. Isso nos leva a armadilha de vermos o Estado como um inimigo, porém, temos que desmistificar isso e lutar contra essas mazelas que nos impedem de termos um Estado 100% voltado para o bem-estar social.
O Estado existe para a população, e para exercer sua função, deve ser financiado pela arrecadação tributária de cada pessoa, física ou jurídica, tal qual um rateio de despesas de um condomínio que é feita para beneficiar a todos os que ali vivem. Sob esta ótica, o inadimplemento de uma pessoa afeta aos demais. Portanto, é de interesse de toda a coletividade que as obrigações de cada um para com o Estado sejam cumpridas, para que o Ente Público possa exercer o bem-comum de forma plena.
Além das renúncias fiscais, que chegam 30% da arrecadação da UNIÃO FEDERAL, vemos que muito da sobrecarga tributária hoje suportada pelos contribuintes se dá por conta da dificuldade do Estado em cobrar os tributos devidos, visto que o adimplemento trará acréscimo de arrecadação e a carga tributária geral se tornará menor, propiciando, desta forma, uma melhor distribuição de renda e oportunidades mais equânimes a todos.
Recentemente, com a finalidade de combater a inadimplência, foi editada a lei 13606/2018 que autoriza o Estado a incluir o nome do devedor de tributos em cadastros de inadimplentes (SPC, Serasa, etc…), bem como a tornar os bens do contribuinte indisponíveis, averbando o débito junto aos DETRAN´s, Registros de Imóveis, bancos, etc…, de modo administrativo, dispensando o processo judicial. Foi uma gritaria geral. Porém, precisamos analisar também por outros ângulos esta situação.
É inegável que a inscrição das dívidas tributárias nos bureaus de crédito (SPC, Serasa, entre outros), depois de decorrido o processo administrativo é algo salutar, pois expõe o sonegador perante o mercado, o que desencoraja o inadimplemento. Ora, se essa inscrição hoje é permitida e amplamente praticada pelos cidadãos comuns quando querem cobrar dívidas entre particulares, qual a razão de não se permitir isso ao Estado, que, como dito antes, somos todos nós?
Porém, o mesmo raciocínio não sustenta quando a possibilidade de bloqueio de bens de forma administrativa, sem passar pelo crivo judicial. Esta medida fere a hierarquia das Leis, bem como os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
Precisamos, por óbvio, preservar as garantias constitucionais dos contribuintes, mas também precisamos dar força ao Estado para que imponha as obrigações tributárias a todos indistintamente, pois isso interessa a todos, especialmente aos bons pagadores. Negar ao Estado ferramentas legais de cobrança de tributos é privilegiar os maus contribuintes.
Portanto, além de aparelhar o Estado com ferramentas eficientes de cobrança, se faz necessário simplificar a arrecadação tributária, torna-la mais justa e ainda, precisamos travar a grande batalha contra a má-gestão pública, a corrupção e a impunidade. Essa luta é de todos os cidadãos que buscam a construção deste país. Não podemos nos voltar contra o Estado. Devemo-lo respeito e exigimos respeito com o nosso dinheiro.
A despeito de enfrentarmos revezes na trilha destes objetivos, não podemos ver o Estado Brasileiro como um inimigo que mereça o dispêndio de todas as nossas forças para minguá-lo à insignificância. Precisamos de um Estado forte, restrito aos setores em que é indispensável, com atuação eficaz.
Para tanto, temos que lutar contra as injustiças. Fortalecer os mecanismos de cobrança tributária dentro dos limites legais é um dos caminhos para este fim. Para cada devedor tributário, há um contribuinte pagando essa conta. O Estado somos nós e ele existe para nos servir. Fortalece-lo contra as ilicitudes é dever da nossa sociedade organizada.
Alziro da Motta Santos Filho
Sócio-fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados. Especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial. Vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná. Conselheiro da OAB-PR