Ao contrário do que se possa pensar, a proteção ao crédito surgiu não só em benefício das empresas, mas das próprias pessoas que o buscavam. Na metade do século passado o consumidor encontrava grandes dificuldades em obter crédito já que o comércio varejista possuía receio em fornecê-lo, empregando indivíduos com a função de investigar a vida do pretenso pagador a prazo.
Os serviços de proteção ao crédito surgiram neste ambiente e a investigação que antes levava dez dias hoje passou a ser de três segundos. Como é notório, o serviço consiste basicamente na consulta a registros de inadimplência dos consumidores. Tais informações compõem um banco e dados, compartilhado por todos os comerciantes e prestadores de serviço do país e é utilizado para aferição de concessão ou não do crédito.
Recentemente, surgiu o debate acerca do Cadastro Positivo, que vem a ser informações cadastrais positivas de uma pessoa, contendo seu histórico comercial desde a adesão voluntária do consumidor. O Cadastro Positivo é amplamente utilizado nos países de economia capitalista mais ressaltada, tais como EUA e Inglaterra.
Assim, o surgimento do serviço atual de proteção ao crédito constituiu grande avanço no sentido de facilitar a concessão de crédito aos consumidores – bons pagadores – ao mesmo tempo em que resguardou o direito de satisfação do crédito do comércio varejista, principalmente.
Com o surgimento dos serviços de proteção ao crédito, assegurou-se o direito do credor efetuar o registro de dívidas não pagas, vinculado ao CPF do devedor, alimentando assim o banco de dados de onde os bureaus extraem as informações, o que possibilita ao comerciante decidir se concede o crédito a prazo ao consumidor, tendo informações precisas para tomar dita decisão.
Decorrem daí algumas implicações operacionais e jurídicas que devem ser consideradas. A primeira, de natureza operacional, é escolher dentre as empresas que oferecem serviço de proteção ao crédito, qual delas possui a informação mais segura. Bem, para isso, precisamos entender como funciona uma empresa de Bureau de Crédito.
Uma empresa deste ramo funciona na gestão de um banco de dados, fornecendo informações dali coletadas, que se constituem basicamente em cadastro negativo, e análise de perfil mercadológico (Score).
Porém, as informações de cadastro negativo que o Bureau de Crédito trabalha são coletadas instantaneamente no mercado, ou seja, nas empresas que concedem crédito aos seus clientes e lá registram os maus pagadores.
Portanto, a escolha de qual serviço de proteção ao crédito você empresário irá consultar, passa pela análise da capilaridade que o bureau tem, pois é dali que ele se alimenta, num clássico círculo virtuoso: quanto mais clientes o bureau tem, melhor é sua informação. E quanto mais os clientes fornecem informações de inadimplentes, mais segura fica a tomada de decisão sobre concessão de crédito de todos que consultam aquele banco de dados.
A título de exemplo, historicamente, o estado de Santa Catarina tem um volume de registro de inadimplência no SPC três vezes maior que o volume de dívidas registradas no SPC do Paraná, com a metade da população paranaense. Isto não quer dizer que há mais inadimplentes catarinenses, mas sim que o empresariado do estado vizinho utiliza muito mais os serviços de proteção ao crédito que o empresariado paranaense. Portanto, é mais seguro conceder crédito em Santa Catarina do que no Paraná, levando-se em conta a quantidade de registros disponibilizada pelos Bureaus.
Do ponto de vista jurídico, há que se atentar para alguns pontos. Com o advento do Código do Consumidor (CDC), algumas regras foram estabelecidas no que se refere ao cadastro de consumidores. Segundo prescreve o §4° do art. 43 do CDC, os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres, aqui entendidos como Bureaus de crédito, as bases e todos os agentes distribuidores e usuários destes serviços são considerados entidades de caráter público.
Como nos ensina Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos autores do anteprojeto do CDC, isto significa “que seu funcionamento e administração apresentam particular interesse para a sociedade como um todo (= interesse público), conferindo-se a esta certos direitos especiais”, sendo que, “por estarem publicitados, cada indivíduo, solitária ou coletivamente, ganha o direito de questiona-los da maneira o mais ampla possível, tanto nos procedimentos que utilizam, como no conteúdo do que mantêm”, suportando o que chamamos de responsabilidade objetiva, ou seja, gera o dever de reparar eventual dano, independente de comprovação de sua culpa, podendo somente, como defesa, produzir prova da culpa da suposta vítima.
Ainda, em decorrência de seu caráter público, os detentores das informações devem dar aos interessados acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes. Além disso, os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. Quando da abertura de cadastro, ficha, registro e dados de consumo não solicitados pelo consumidor, este deverá ser comunicado por escrito. É o caso do registro por inadimplência, cuja obrigação do bureau de crédito é o de comunicar ao devedor, da sua inclusão no cadastro de pendências financeiras.
A não observância das regras que protegem o consumidor/devedor, pode gerar o dever de indenizar e até, cumulativamente, de pagar em dobro se cobrar valor já pago anteriormente.
Um dos problemas mais corriqueiros é o da inscrição e/ou manutenção indevida nos cadastros de maus pagadores. Nossos tribunais são unânimes no entendimento de que a simples inscrição indevida nestes cadastros gera direito à reparação do dano moral causado ao consumidor.
De outro lado, entende-se que a manutenção indevida, além de um prazo razoável, igualmente gera dano moral. No entanto, há divergência nos tribunais com relação ao tempo para o cancelamento do registro negativo, por motivo de pagamento. Há entendimentos de ser no máximo de dez dias, outros entendem que deve ocorrer em até trinta dias, posto que além disso, geraria prejuízo.
Cumpre-nos também observar que o valor da indenização pode divergir, segundo o entendimento dos tribunais. O valor da indenização é de livre estipulação pelo juiz. Não há uma tabela, mas sim uma corrente de entendimento. Para tanto, a lei determina que o juiz leve em consideração o dano sofrido e a condição econômica das partes, com a finalidade de não ser tão alta a indenização a ponto de enriquecer a vítima, mas alta o suficiente a ponto de ter um caráter punitivo e desencorajador ao réu.
A simples inscrição indevida, ou a inscrição sem comprovação de envio de aviso de registro, sem comprovação de dano está sendo arbitrada, na média, em nossos tribunais estaduais entre R$ 7.000,00 e R$ 10.000,00, atualmente, dependendo do juiz e do caso concreto. Essa média se constata tanto nos Tribunais que julgam as causas dos Juizados Especiais, como no próprio Tribunal de Justiça.
Porém, a indenização pode chegar a patamares inferiores, ou superiores. No caso de sua elevação, a vítima da inscrição irregular pode trazer aos autos a comprovação de seus danos e, neste caso, se o Juiz entender que ela sofreu consequências e abalo moral além do que se entende por normal, a indenização pode ser muito superior a esta média.
De outro lado, há casos em que mesmo com inscrição indevida, não surge ao consumidor o direito de ser indenizado. É o caso em que o consumidor não comprova o pagamento da dívida ou já possui outros registros e, portanto, não pode sofrer abalo moral quando seu nome já consta no rol de maus pagadores, ou ainda, quando a carta de aviso de inscrição é enviada para endereço diverso do endereço atual do devedor, mas para o endereço constante em seu cadastro à época da concessão do crédito. Há ainda inúmeros casos em que a indenização pode ser afastada ou, ao menos reduzida significativamente, sendo, para tanto, salutar a análise de profissional especializado, afim de fazer valer o direito dos credores, nestes casos.
Sabemos, no entanto que, muitas das vezes nos deparamos com claros casos em que se vê a “indústria do dano moral” atuando fortemente. Sabemos que o devedor colaborou significativamente para que o eventual erro de inscrição acontecesse, exatamente com o intuito de pleitear indenização. Entendemos que muitas vezes a defesa num processo judicial, nestes casos pode parecer difícil, mas casos assim devem ser combatidos até o fim, com a finalidade de, se não impedir, ao menos dificultar e retardar a indenização, já que eventual rendição precoce acaba por incentivar e multiplicar esta conduta danosa.
Por fim, o CDC ainda prevê infrações penais para determinadas situações como: utilizar, na proteção ao crédito, de ameaça, coação constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer (pena de detenção de três meses a um ano e multa); impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros (pena de detenção de seis meses a um ano ou multa); e deixar de corrigir imediatamente informações sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registro que sabe o deveria saber ser inexata (pena de detenção de um a seis meses ou multa).
Dessa forma a proteção do crédito pode e deve ser exercida, mas sem abusos, sempre respeitando os direitos dos consumidores. Deve-se aplicar a lei e utilizar-se do bom senso.
Alziro da Motta Santos Filho
Advogado especializado em Direito Processual Civil, pelo Instituto Brasileiro de Ensino Jurídico – IBEJ; especializado em Gestão em Direito Empresarial pela FAE Business School; e Legal Law Master – LLM, Direito Empresarial, pelo IBMEC – RJ. Sócio do escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados (www.msv.adv.br), e responsável jurídico para assuntos de Bureau de Crédito da Base Centralizadora Faciap de Proteção ao Crédito – BCF.