Desistiu da compra do imóvel? Saiba o que muda com a nova Lei do Distrato de Imóveis

Por Bruno Rafael Viecili*

Este ano já se tornou um marco legal para o ‘‘distrato imobiliário’’, já que em 2019 começou a vigorar as novas regras contidas na Lei 13.786/18, que trata a respeito da desistência da compra de imóvel adquirido na planta. O distrato ocorre quando o cliente desfaz o negócio com a construtora, antes de quitar todas as parcelas do financiamento.

Até então, não havia legislação própria para tratar do assunto. Isso porque, não existiam regras claras sobre o caso de rescisão contratual no caso de desistência antecipada, muito menos a definição de um percentual de retenção para as construtoras, o que gerava longas disputas judiciais.

Pela primeira vez, o Governo chegou a um acordo para tratar a respeito das anulações de venda de imóvel, resultando na regulamentação do distrato imobiliário, até então visto como um campo de incertezas no cenário jurídico.

Uma das novidades mais polêmicas foi a possibilidade de a construtora reter, a título de multa, até 50% do dinheiro pago pelo comprador. Mas, esse percentual ficou estabelecido apenas para os casos em que a obra esteja em regime de patrimônio de afetação, ou seja, quando o empreendimento tiver seu patrimônio separado da incorporadora. Já para os empreendimentos fora desse regime, o teto da multa cai para 25%.

Anteriormente, essa multa precisava ser definida pela justiça. E, diante da falta de texto legal para determinar essas questões, o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo que o consumidor poderia perder de 10% a 25% do valor já pago.

Agora, com a vigência da Lei, a única forma do consumidor desistir da compra sem pagar a multa é encontrar um novo interessado em assumir a dívida e o imóvel. Assim, o cliente substituto ficará com todos os direitos e obrigações do comprador inicial.

No entanto, apesar dessa nova lei aparentar ser mais rígida com o consumidor, a norma veio para dar mais segurança jurídica aos procedimentos de rescisão contratual, tanto para as construtoras quanto para os próprios clientes. O percentual fixado em lei tende a desestimular a prática de desistências e diminuir os custos para as empresas, melhorando os valores praticados no mercado.

É certo que nesse tipo de operação, os imóveis vendidos na planta dependem do fluxo de caixa decorrente das vendas. E grande parte dos distratos são realizados por investidores, que acabam comprando algumas unidades e, posteriormente, desistem do negócio, deixando a empresa construtora com a maior parte do prejuízo.

Nesse viés, o consumidor que adquire para fins de moradia, acaba sendo afetado com os distratos que comprometem o caixa das empresas, e, por consequência, atrasam o cronograma de entrega do imóvel. Sendo assim, a intenção é deixar muito claro o que está sendo tratado, delimitando todas as condições como preço, taxa de corretagem, prazo para entrega e consequências da quebra de contrato. Ou seja, no final, a mudança traz mais clareza e garantias, como benefícios para o consumidor.

A nova norma também legaliza o direito de arrependimento ao comprador, que possui 7 dias para sinalizar a desistência e receber todos os valores já pagos, incluindo a corretagem. Em caso de atraso na entrega, também foi regulamentada a carência de 180 dias, sem necessidade de indenizar o consumidor. Após esse período, o comprador poderá cancelar o contrato e receber o valor pago integralmente, ou, receber indenização de 1% do valor, para cada mês de atraso, caso não queira romper o contrato.

Com os efeitos da nova lei, acredita-se que a decisão de compra de um imóvel será, ou pelo menos deveria ser, mais planejada em ambas as partes, sob pena de sofrer prejuízos consideráveis. Só nos resta almejar que construtoras e consumidores sigam um caminho de responsabilidade e segurança financeira, para que o distrato imobiliário não seja motivo de conflitos e perdas.

 

* Bruno Rafael Viecili – Advogado atuando na área cível do Escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.

 

A evolução da tecnologia e o seu reflexo no trabalho do advogado

Por Helder Eduardo Vicentini*

 

Nos últimos anos diversos segmentos da sociedade passaram por significativas transformações em decorrência da implementação de novas tecnologias, que têm impactado profundamente o mundo dos negócios e do trabalho. Essas mudanças ocorrem de maneira veloz e muitas vezes rompem os padrões já estabelecidos no mercado, causando a chamada disrupção. Essa ação não está atrelada apenas à ideia de algo simplesmente inovador, mas também à característica de tornar produtos e serviços mais acessíveis, baratos, e disponíveis a um número muito maior de pessoas. Casos conhecidos como Uber, Airbnb, Facebook, Amazon e Waze são exemplos dessa nova tecnologia disruptiva.

No mundo do direito, as empresas de tecnologia, conhecidas como legaltechs, ou lawtechs, estão transformando o mercado jurídico. As principais alterações estão atreladas à utilização da inteligência artificial como instrumento. A tecnologia no direito vai desde a análise estatística (jurimetria) que apontará, por exemplo, a proporcionalidade de chances de êxito em uma determinada demanda judicial. Assim como, a própria análise de casos práticos, com o sugestionamento dos textos que serão utilizados pelos advogados em suas manifestações, e até mesmo pelo próprio juiz em suas decisões.

Essa inteligência artificial já está sendo utilizada pela primeira instância da Receita Federal do Brasil, na análise e julgamento de casos administrativos de menor complexidade e valor. Essa prática permite que os auditores fiscais possam focar seus trabalhos nos processos administrativos de maior complexidade, e que envolvam um valor maior de Tributação.

O Supremo Tribunal Federal implementou, também por inteligência artificial, sistema que rastreia as ações com repercussão geral, o que possibilita que os recursos extraordinários sejam julgados com rapidez e precisão. Isso porque quando um desses processos é julgado, os demais processos semelhantes e a ele vinculados, em razão da repercussão geral, possivelmente terão o mesmo destino. Reduzindo assim, significativamente, o tempo de julgamento, sobretudo pela ausência da interferência humana nessa análise processual.

Também ganha corpo a tecnologia de Online Dispute Resolution (ODR) ou Resolução On-line de Conflitos, através da qual as partes podem negociar “online” a solução de um conflito e assim evitar que o litígio seja resolvido por uma decisão judicial, que pode levar anos para acontecer. Atualmente existem diversas plataformas em funcionamento, que agilizam as negociações, muitas vezes também sem a interferência humana.

Certamente toda essa tecnologia não fará com que a profissão do advogado deixe de existir, pois ainda que o trabalho possa ocorrer de forma mais ágil e eficiente, e que reduza os postos de trabalho na área jurídica, ainda assim será necessária a intervenção humana. Afinal cabe às pessoas o pensamento crítico, a intuição, a astúcia, a criatividade e a própria instrução de comandar a máquina para trabalhar.

O papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se torna essencial nesse momento de evolução. Não só porque essas tecnologias afetam diretamente o mercado de trabalho do advogado, mas também porque a OAB tem sido fundamental na capacitação de seus representados. A Ordem também pode se fazer necessária em algum momento em que a tecnologia esbarrar nos limites legais de ética, na captação irregular de clientes, ou mesmo no exercício ilegal da profissão.

Sem dúvida essas mudanças exigem do advogado sua imediata adaptação, o estudo aprofundado e a implementação dessas novas tecnologias como ferramenta de trabalho, sob pena de não sobreviver nesse novo e dinâmico ambiente tecnológico.

 

* Helder Eduardo Vicentini – Advogado, sócio do escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.

Locação on-line de imóveis gera debate sobre direito de propriedade

O desenvolvimento de novas tecnologias está resultando em um impacto na vida dos condomínios residenciais. A crescente popularização de aplicativos de locação no Brasil, a exemplo do Airbnb e HomeAway está gerando uma revolução nas locações para temporada.

Essa nova modalidade de locação, denominada de ‘‘locação instantânea’’, consiste na intermediação de uma plataforma digital, que fornece imóveis para locação, promovendo o contato entre locador e locatário, além de viabilizar a conclusão do contrato no próprio aplicativo, além do preço ser significativamente mais barato do que a hospedagem em um quarto de hotel.

Essa nova ferramenta oferece um sistema de hospedagem com preços e opções para quase todos os bolsos e gostos, e uma proposta diferenciada de acomodação, com a sensação de estar em casa, mesmo fora dela.

No entanto, nos condomínios residenciais, essa alta rotatividade das locações instantâneas tem ocasionado um desvirtuamento, surgindo um frequente conflito entre o direito à segurança e o direito de propriedade.

É certo que Constituição Federal, através do seu artigo 5º, inciso XXII, assegura o direito de propriedade, autorizando o condômino usar e fruir livremente de seu imóvel. Se por um lado, é lícito ao proprietário emprestar a sua unidade, ocupá-la pelo número de pessoas que entender conveniente, seja a título oneroso ou gratuito, por outro lado, caso tal prática esteja interferindo na rotina do prédio e desviando a sua finalidade, causando perturbação ao sossego, segurança, saúde e bons costumes, o condomínio pode interferir e regular tal prática.

Na ausência de regulamentação, caberá aos condomínios encontrar uma maneira de harmonizar a convivência entre o direito à segurança coletiva e o direito de locar imóveis.

No Brasil, a locação residencial é regulada pela Lei 8.245/1991, que prevê duas hipóteses: a locação típica por mais de 90 dias, e a locação por temporada, de até 90 dias. A Lei ainda diz que outros acordos diversos desses dois, devem ser regulados pelo Código Civil ou leis específicas.

O fato é que não há, na locação instantânea, contrato escrito, pessoalidade entre locador e locatário, garantidores, e nem uma pesquisa sobre antecedentes do locatário. É um modelo de negócios totalmente diferente da locação convencional.

Enquanto os condomínios vão se adaptando a essa nova realidade, há quem aponte que esse tipo de atividade infringe algumas convenções, tendo em vista que a hospedagem é algo exclusivo de estabelecimentos regulamentados para esse fim, por meio de portaria do Ministério do Turismo.

Se a destinação do empreendimento for exclusivamente residencial, receber hóspedes e alugar a unidade por diárias pode caracterizar desvio de finalidade, por haver atividade hoteleira e comercial, principalmente se houver serviços de café da manhã ou camareira.

A justiça brasileira já se manifestou no sentido de que o condomínio pode exigir que os proprietários só usem suas unidades para fins residenciais. Caso o condomínio não autorize essa modalidade de hospedagem, o proprietário pode ser advertido e multado, cometendo infração à finalidade de uso do condomínio e do Código Civil.

Para o condomínio autorizar a exploração desse tipo de hospedagem, isso deverá ser feito pela modificação da convenção do condomínio. Para isso, essa decisão depende do voto de 2/3 dos condôminos, como prevê o art. 1351 do Código Civil, além de cumprir uma série de requisitos para ser considerando um ambiente de hospedagem.

Entretanto, havendo ausência de regulamentação específica, se a Justiça for acionada, vai depender sempre do entendimento do Juiz, que irá avaliar cada caso de forma isolada, levando em conta a constância, a rotatividade, o tempo de cada locação, e os serviços prestados dentro do imóvel.

É inegável que o crescente avanço tecnológico trouxe novas possibilidades de economia compartilhada, através das plataformas digitais de comunicação. Não há como evitar essas mudanças, é preciso absorvê-las, integrar ao que já existe, se abrir para o novo, avaliar e utilizar as melhorias que podem ser oferecidas à sociedade e a seu desenvolvimento.

O ponto crucial é verificar com precisão e razoabilidade a hipótese em que o uso da propriedade se torna abusivo ou nocivo, levando em conta a segurança coletiva que envolve um condomínio. A virtude da solução está na menor interferência possível, para permitir o desenvolvimento dessa atividade moderna de locação, sem comprometer a segurança de todos os envolvidos.

Bruno Rafael Viecili – Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2015). Graduado em Direito pela Faculdade UNIVAG (2013). Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Paraná, sob o nº 71.237. Advogado atuando na área do Direito Civil.

OS ASPECTOS POSITIVOS DA CLÁUSULA DE NEGÓCIO PROCESSUAL.

No cenário jurídico atual, a efetividade do processo caminha em sentido contrário às necessidades sociais. O acúmulo cada vez mais crescente de demandas judiciais, somado à quantidade limitada de agentes da justiça, falta de recursos financeiros e problemas na administração orçamentária do Judiciário, contribui para a morosidade do processo e impossibilita a solução dos conflitos de modo efetivo e garantidor para o cidadão.

Atento a essa realidade, com participação ativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Novo Código de Processo Civil trouxe avanços, promovendo novas formas de garantia de justiça. Uma das ferramentas que merece destaque é a cláusula de negócio processual, que possui previsão no art. 190 e corresponde em uma alternativa econômica e efetiva, sendo permitido convencionar acerca do procedimento de acordo com as necessidades dos interessados, em direitos que admitam a autocomposição.

O modelo já é bastante utilizado nas arbitragens comerciais, em que as partes envolvidas, em conjunto com o árbitro, celebram um cronograma para o curso do processo visando à solução justa e efetiva do conflito.

A cláusula de negócio processual, ainda que haja a intervenção estatal na resolução do processo, autoriza as partes a deliberarem acerca do procedimento a ser celebrado em juízo, podendo estipular mudanças e ajustes de acordo com a particularidade do caso concreto, sempre respeitando os limites do ordenamento jurídico. Isso permite uma maior flexibilidade e autonomia, resultando em um trâmite processual mais ágil e eficaz.

Entre as principais novidades estão: possibilidade de fixar calendário para a prática de atos processuais; o rateio das despesas do processo; acordo para retirar o efeito suspensivo de recursos; definição conjunta acerca de prova; escolha do perito pelas partes; desistência de audiência de conciliação; redução de prazos peremptórios; entre outras convenções processuais.

Na seara dos contratos, também se torna viável a sua utilização. Podem ser estipuladas entre os contratantes algumas regras que deverão ser aplicadas em eventual e futura ação judicial, conferindo um tratamento diferenciado ao procedimento de acordo com a individualidade de cada contrato celebrado. Algo que favorece os interesses dos envolvidos, além de oferecer mais segurança, celeridade e efetividade na prestação jurisdicional.

A crescente demanda das transações e das relações sociais faz com que essa nova garantia processual se torne atrativa por corresponder às expectativas das partes e assegurar a rapidez do litígio, tendo em vista um poder maior de negociação e articulação na condução do processo. É um instrumento valioso para a construção de um processo civil mais democrático.

Essa inovação no ordenamento jurídico, apesar de ainda haver pouco desenvolvimento prático, promove uma mudança ideológica e comportamental no direito brasileiro, e pressupõe uma revolução até nos contratos bilaterais mais complexos, que esperam rapidez e eficiência em seus negócios. Poderá ser bastante explorada pelas partes e por seus advogados.

 

Bruno Rafael Vicieli – Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2015). Graduado em Direito pela Faculdade UNIVAG (2013). Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Paraná, sob o nº 71.237.

Advogado atuando na área do Direito Civil.