STJ define tese sobre prescrição do redirecionamento da execução fiscal

Por Paulino Mello Júnior*

 

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito de recurso repetitivo, definiu o marco inicial do prazo prescricional para a Fazenda requerer o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios administradores da empresa.

Em outubro de 2010, o STJ submeteu o RESP 1.222.444/RS a sistemática dos recursos repetitivos, com a finalidade de pacificar o entendimento da corte quanto ao termo inicial da prescrição para redirecionamento da execução fiscal. No julgamento finalizado no dia 08/05/2019, o STJ definiu 3 teses para determinar o termo de início da prescrição.

Nos casos em que a dissolução irregular da pessoa jurídica, considerado como encerramento das atividades sem pagamento dos débitos fiscais, ocorrer antes da citação da empresa no processo de execução fiscal, a Fazenda Pública terá o prazo de 5 anos após a citação da pessoa jurídica, para requerer o redirecionamento da cobrança para a pessoa física dos sócios administradores. Neste caso o termo inicial da prescrição para o redirecionamento é a citação da empresa devedora originária.

A segunda tese fixada pela Corte determina que, quando a dissolução irregular da empresa ocorrer após a citação da pessoa jurídica no processo de execução fiscal, a citação por si só não é considerada como termo inicial da prescrição, posto que neste momento não há pretensão de cobrança contra os sócios. Porém, o termo inicial da prescrição é de 5 anos contados da data da prática do ato ilícito. Aqui houve uma vitória dos contribuintes, já que a Fazenda pedia que o termo inicial da prescrição fosse considerado a partir do momento em que fosse certificado no processo de execução a dissolução irregular da empresa. Contudo, o STJ definiu que é da data do ato ilícito e não da data em que a Fazenda toma conhecimento do ato.

Por fim, o STJ definiu que, em qualquer hipótese, para que seja decretada a prescrição, deve ser demonstrado inércia da Fazenda Pública na cobrança do crédito. A definição sobre o tema traz segurança jurídica aos contribuintes com a uniformidade da jurisprudência sobre o tema. Ainda, ao definir os limites temporais para redirecionamento da execução fiscal se evita a perpetuação da cobrança dos créditos pelas Fazendas Públicas.

 

* Paulino Mello Júnior é advogado, sócio e coordenador da área Tributária do Escritório Motta Santos & Vicentini.

Planejamento empresarial e os reflexos trabalhistas

Por Janaina Lima de Souza*

A abertura de uma empresa ou a sua reestruturação societária (aquisição, incorporação, transformação, fusão ou cisão) requer a realização de um planejamento interdisciplinar, com o intuito de evitar fragilidade em sua estrutura e trajetória organizacional.

De modo geral, o planejamento analisa a viabilidade do negócio, antes de assumir os riscos dessa aquisição, e implementa a adoção de políticas preventivas iniciais e contínuas, o que ocasiona proteção em momentos de crise e maior competitividade negocial. Assim como os planejamentos empresarial, societário e tributário, o planejamento trabalhista é primordial para o desenvolvimento e crescimento das empresas.

O empregador é o responsável pelos riscos da atividade econômica e as mudanças na estrutura jurídica da empresa não afetam os contratos de trabalho já existentes, pois o sucessor, além de assumir as riquezas produzidas pela empresa, adquire também os ônus decorrentes dessa sucessão empresarial.

Para fins trabalhistas a cláusula contratual de exclusão de responsabilidade não possui qualquer efeito, já que a aquisição empresarial atinge os débitos dos antigos, atuais e futuros empregados.

Mas existe exceção: no caso de aquisição do estabelecimento por leilão ou hasta pública, em decorrência de recuperação judicial ou falência. Para garantir a segurança jurídica ao comprador, essa aquisição não configura sucessão trabalhista. E, os empregados serão admitidos mediante novos contratos de trabalho, ocasião em que o arrematante não responde pelas obrigações do contrato anterior.

O planejamento trabalhista é realizado de modo personalizado, de acordo com a realidade de cada empresa, dentre outras atividades ocorre:

(a) detecção dos riscos jurídicos, por meio de análise documental e do ambiente de trabalho.

(b) adequação das normas legais aplicáveis, tais como: legislação geral e específica, convenções coletivas, e Normas Regulamentares (NRs).

(c) adoção de práticas que visem eliminar os riscos (ambiente de trabalho improdutivo, acidentes de trabalho, autuações administrativas, ações trabalhistas etc), inclusive com a implementação de políticas.

(d) análise de eventuais autuações administrativas e ações trabalhistas anteriores, para rever os erros ali cometidos.

(e) adequação na cultura da empresa às práticas implementadas.

Realizar um planejamento adequado é menos oneroso a longo prazo, pois reduz custos (tais como multas administrativas e ações judiciais), proporciona um ciclo de existência empresarial saudável – ante o alinhamento preventivo de acordo com as regras legais, como também fortalece, expande e protege o patrimônio, além de ocorrer adaptação ao mercado, atraindo investimentos e efetivação de parcerias estratégicas.

 

*Janaina Lima de Souza – Advogada, atuando na área trabalhista do escritório Motta Santos & Vicentini.

Aumento do Diesel x Caminhoneiros: Uma corrida atrás do prejuízo

Por Alziro da Motta Santos Filho*

 

Para dissipar o movimento paredista dos caminhoneiros em maio de 2018, o Presidente Michel Temer extinguiu a CIDE sobre o Diesel e subsidiou o preço do combustível, para reduzi-lo em R$ 0,46 centavos na refinaria. Essa medida, que durou 6 meses, teve um custo de R$ 10 bilhões para a União. Ocorre que, passados quase um ano, o transporte rodoviário de cargas (TRC) continua em plena crise, sucateado, com fretes baixos e em constantes ameaças de greve. E novamente o Governo Federal, agora sob o bastão do Presidente Bolsonaro, determinou que a Petrobrás se abstenha de aumentar o diesel de acordo com a flutuação do preço internacional. Tal intervenção na estatal fez com que as suas ações comercializadas na bolsa de valores despencassem, numa redução de seu valor de mercado em R$ 32 bilhões de reais.

Isso nos remete a uma expressão popularizada por Galvão Bueno: “correr atrás do prejuízo”, que é dita para narrar o comportamento daquele que tenta se recuperar de uma derrota, ou um infortúnio. Porém, o significado literal da dita expressão é exatamente o oposto. Correr atrás da derrota, do prejuízo é diverso de correr atrás da vitória, do lucro, do sucesso. Mas parece que nosso Brasil, e nós brasileiros, dia após dia corremos, de fato, atrás do prejuízo mesmo.

Antes de fazer algumas contas, vamos a alguns dados:

– Do consumo de óleo diesel no Brasil, a indústria responde por 30%, a agricultura por 35%, e o transporte em geral por outros 35%;

– Dos 35% consumidos pelo transporte, estima-se que o TRC consuma 1/3 disso, o que nos dá quase 12%, sendo o restante (24%) consumido por veículos de passeio, transporte de passageiros e transporte aquaviário;

– Destes quase 12%, metade (6%) são consumidos por caminhoneiros autônomos e a outra metade por empresas de TRC;

– Segundo números atuais da ANTT, existem no Brasil cerca de 400.000 caminhoneiros autônomos legítimos[¹] e ativos no Brasil, com veículos automotores de idade média que variam de 24,4 anos a 19,3 anos, de acordo com o tipo de veículo.

Visto estes números, vemos que o valor de R$ 10 bilhões gastos no subsídio do diesel poderia custear um programa de renovação de frota que beneficiaria 25% dos caminhoneiros legítimos[²], possibilitando reduzir a idade mínima da frota, com as incontáveis vantagens que isso proporciona, ou mesmo, ofertar uma indenização para retirada de circulação de caminhões velhos e sucateados, para que o transportador defasado deixe de exercer a profissão e assim se restabeleça o equilíbrio entre a oferta e a demanda, cuja inexistência é a grande causadora da crise pela qual passa o setor.

Ao invés disso, somente neste subsídio, dos R$ 10 bilhões gastos, apenas R$ 600 milhões chegaram a beneficiar os caminhoneiros, o restante foi distribuído para outros setores.

Estes números nos revelam com perplexidade que, ao invés de investirmos em capacitação e estrutura, esperamos ocorrer o desastre para agir de forma inconsequente e populista, com o objetivo de aplacar os ânimos, mas não necessariamente resolver o problema. Essa conduta não é exclusiva deste setor da economia, mas sim um comportamento padrão nas diversas áreas de nossa sociedade. Por exemplo: criminalidade x educação; tratamento de saúde x saneamento básico; acidentes de trânsito x infraestrutura viária; enfim, infinitos outros exemplos tipicamente brasileiros onde optamos por remediar, ao invés de prevenir, o que seria invariavelmente mais barato, menos danoso e mais producente.

Buscamos soluções simples e imediatas para tudo, mas “balas de prata” não existem. Nos últimos anos os caminhoneiros conquistaram o direito de receber o vale-pedágio independente do valor do frete; o pagamento eletrônico do frete, para evitar a extorsão da carta-frete; a estadia a R$ 1,38 a tonelada/hora, a ser atualizada desde 2015, para evitar a espera excessiva no descarregamento do caminhão; e, mais recentemente o piso mínimo de frete, para evitar os abusos decorrentes das distorções de mercado. Porém, o setor continua em crise e, ao invés de enfrentarmos a causa matriz do problema com reequilíbrio da oferta e demanda e aquecimento da economia, continuamos “correndo atrás do prejuízo”, custeando remédios caros e ineficientes nos momentos de crise aguda, que amenizam momentaneamente a agonia, mas não resolvem o problema de fato.

Nesse clima de um novo Brasil, a sociedade tem que aproveitar a oportunidade para repensar a maneira como enfrentamos nossos problemas. Problemas complexos exigem soluções complexas. Precisamos de fato nos concentrarmos na prevenção e em soluções efetivas e duradouras. Não falo aqui exclusivamente da classe política, já que ela nada mais é do que o reflexo de nós mesmos, mas sim de um choque de realidade para que consigamos caminhar para frente. Vamos correr atrás da vitória!

 

[1] Contabilizados apenas os caminhões acima de 8 toneladas, e os caminhão trator, que respondem efetivamente pelo Transporte Rodoviário de Cargas.

[2] Com o valor do subsídio, a título de exemplo, se poderia conceder um crédito a fundo perdido de R$ 100.000,00 para 100 mil caminhoneiros autônomos, para que deixem de exercer a profissão, ou renovem a frota, com complementação de financiamento bancário.

 

* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial, vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná e conselheiro da OAB-PR.  

Controvérsias nas relações de trabalho do caminhoneiro autônomo

Por Cleverson Massao Kaimoto*

 

O modelo que predomina no Brasil para o transporte de cargas é o modal rodoviário, que a partir da década de 1940 se intensificou ainda mais ante o incremento do processo de industrialização no país e o declínio do transporte ferroviário e marítimo no mundo. Mas uma recorrente controvérsia no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda gera incerteza jurídica e, em consequência, o receio das empresas na contratação de autônomos nos dias atuais. Vamos contextualizar para que se entenda melhor o assunto.

O sistema rodoviário detém papel de relevante importância no crescimento econômico do país e grandes investimentos foram realizados no setor, influenciando no estabelecimento das atividades industriais e agrícolas nas regiões que detém estrutura viária, graças à possibilidade que o modal oferece de abastecimento por matérias primas (insumos) e escoamento da produção. O transporte rodoviário influencia todos os setores produtivos, como também impacta na arrecadação de impostos e na geração de empregos.

Assumindo este papel central na economia, o Transporte Rodoviário de Cargas tem na figura do transportador autônomo, habitualmente conhecido como caminhoneiro autônomo, um dos principais atores do segmento. E é neste universo de vital importância econômica, social e política que se inserem as relações contratuais dos transportadores, seja na figura de quem contrata o frete, representados pelos embarcadores e empresas de transporte de cargas (ETC) como na do contratado, função desempenhada pelo transportador autônomo de cargas (TAC).

Ambos são submetidos, por um lado, a Lei Federal nº 11.442 de 2007 que considera não haver, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego (Lei 11.442, 2007, Art. 5º) e de outro a Justiça Especializada do Trabalho, onde surge o reconhecimento de existência de laço empregatício entre a pessoa ou empresa que contrata o serviço e o trabalhador autônomo. Resulta daí a dúvida: Contratar transportador autônomo de cargas pode gerar relação de emprego?

Conforme exposto anteriormente, a Lei nº 11.442/2007 é federal e regulamenta o Transporte Rodoviário de Cargas, além de disciplinar, entre outras questões, a relação contratual existente entre os atores do setor, caracterizando-a como uma relação comercial, de natureza civil. Dessa maneira, a legislação em apreço, prevê e regula a contratação do profissional autônomo para a realização do transporte, especificamente sem restar configurado qualquer vínculo empregatício.

O Art. 2º e 5º da Lei nº 11.442/2007 prevê referida condição:

 

Art. 2º A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, nas seguintes categorias:

I – Transportador Autônomo de Cargas – TAC, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional;

II – Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal.

Art. 5º As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

 

O nosso ordenamento jurídico estabelece que há presunção juris tantum de constitucionalidade dos atos normativos primários, ou seja, uma lei existe, é válida e eficaz, até que se prove o contrário, o que torna a Lei 11.442/2007 presumidamente constitucional. Porém, consta que da Justiça Especializada do Trabalho colhe-se uma multiplicidade de decisões que ora consideram a aplicação da referida lei, ora não consideram.

Para exemplificar, trouxemos dois julgados que evidenciam a controvérsia. O objetivo é ilustrar, em casos concretos, quando a Lei 11.442/2007 foi aplicada, afastando-se o vínculo de emprego e quando deixou de ser aplicada, havendo, nesta hipótese, o reconhecimento do vínculo empregatício.

 

TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGAS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. LEI 11.422/2007. Evidenciado no caso concreto que a relação jurídica havida entre as partes litigantes é de natureza comercial, submetida aos ditames da Lei 11.422/2007, não há falar-se em reconhecimento de vínculo de emprego, porquanto o reclamante, como transportador autônomo de cargas, assumiu os riscos do negócio. (TRT-3 – RO: 02008201403703004 0002008-39.2014.5.03.0037, Relator: Convocado Jose Nilton Ferreira Pandelot, Turma Recursal de Juiz de Fora, Data de Publicação: 23/07/2015)

 

RECURSO DA RECLAMADA COMPETÊNCIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. LEI 11.442/07. A legislação invocada pela defesa – Lei nº 7.290/84 e Lei nº 11442/07 – se refere às hipóteses de prestação de serviço autônomo de transporte de carga, não tendo o condão de afastar da jurisdição trabalhista a análise e apreciação de pedido de reconhecimento do vínculo de emprego, pela presença de seus pressupostos fático-jurídicos. Rejeito. VÍNCULO DE EMPREGO. A empresa atraiu para si o ônus da prova em relação à natureza autônoma dos serviços prestados e dele não se desincumbiu. A prova produzida confirma a presença de todos os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego. Recurso empresarial a que se nega provimento. MULTA DO ART. 477 DA CLT. A multa do artigo 477 é indevida ante à inteligência do disposto na OJ nº 351 da SDI-I do TST, a qual foi cancelada, mas permanece a ideia central. Recurso provido. ENTREGA DAS GUIAS DO CD/SD. O que fez a n. Julgadora, convencida da ilicitude praticada pelo empregador, foi deferir a antecipação da tutela definitiva, fixando astreintes, buscando garantir a tutela específica da obrigação de fazer, na exata forma prevista no art. 461 e seus parágrafos, do CPC, não havendo qualquer irregularidade ou ilicitude em tal determinação, muito menos a necessidade de se esperar o trânsito em julgado para tanto. Provimento negado. RECURSO DO RECLAMANTE HORAS EXTRAS. SERVIÇO EXTERNO. Não comprovada a situação excetiva do art. 62, I da CLT. Os depoimentos do preposto e da testemunha Luiz Alberto são no sentido de que havia efetiva fiscalização das jornadas, com a pré-fixação pela empresa das rotas a serem atendidas, bem como o controle com a utilização de celular e com a obrigação de estar na empresa no início e no fim das jornadas.. Recurso provido. SALÁRIO PERCEBIDO. Presume-se que o que não era salário, era ajuda de custo, o que atrai a incidência do art. 457, § 2º da CLT, segundo o qual essas são incluídas no salário quando excedam de cinquenta por cento do salário. Recurso a que se dá provimento. (TRT-1 – RO: 7602920125010016 RJ, Relator: Enoque Ribeiro dos Santos, Data de Julgamento: 27/08/2013, Quinta Turma, Data de Publicação: 04-09-2013)

 

Ao avaliar as diversas decisões que versam sobre a matéria, é possível notar que os Tribunais argumentam que, verificados os requisitos constantes dos Arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente a subordinação, domina o reconhecimento do vínculo empregatício. Dando voz a aplicação do princípio da primazia da realidade sobre a forma, ou seja, a verdade dos fatos impera sobre qualquer contrato formal. Este entendimento culmina em aparente conflito de normas entre a legislação trabalhista mencionada e a lei que regulamenta o transporte de cargas.

De modo que se faz questionar: qual o critério que diferencia o trabalho autônomo e o contrato de emprego, e quando exige a aplicação de uma ou outra norma? Ambas se configuram como prestação de serviços e prestação de mão de obra do trabalhador, porém se faz distingui-las posto que o Direito do Trabalho não se projeta para ambos, mas apenas àquela onde há relação empregatícia.

O Professor Dallegrave Neto afirma que a relação de trabalho “é qualquer vínculo jurídico que tiver como objeto a prestação de serviço de um determinado sujeito a outrem”, conceito que abrange neste caso, a atividade exercida pelo transportador autônomo. Já a relação de emprego, segundo o Professor “é espécie da relação de trabalho e corresponde à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa física”.

Nessa acepção é possível adotar o critério da subordinação como elemento de diferenciação entre o contrato de trabalho de transporte autônomo e o contrato de emprego. Porém há julgados que remetem a outros critérios para se identificar esta distinção, como a habitualidade e a pessoalidade. Portanto caberia a reflexão acerca da necessidade da conjugação de uma série de pressupostos para a caracterização do contrato de emprego, cuja soma destes elementos fático-jurídicos apresentariam com mais veemência a distinção entre empregado ou profissional autônomo.

De outra parte, extrai-se que mesmo o contrato de profissional autônomo envolve algum tipo de subordinação, na medida em que subsiste, de algum modo, o direcionamento da prestação de serviços pelo tomador. E no desejo de que a atividade contemple as expectativas do contratante, há necessidade, em muitas vezes, da aplicação de comandos (e/ou direcionamentos) por parte de quem contrata, sob pena, até mesmo, da prestação se tornar ineficaz.

E no cumprimento destes direcionamentos se materializa, pela maneira como se desenvolve a atividade, a caracterização de um outro elemento na relação contratual, a chamada dependência. Na esfera do transporte de cargas exercida pelo autônomo, muitas vezes o profissional acaba se sujeitando ao controle do contratante na execução de sua tarefa, tais como cumprimento de hora limite para a realização do frete, forma correta de acomodação da carga, sanção por atraso no descarregamento, entre outros, assumindo, desta maneira, uma posição de hierarquia inferior em relação ao contratante.

Nessa condição, outro aspecto que evidencia essa característica de dependência é no enfoque econômico. O caminhoneiro autônomo muitas vezes desenvolve sua atividade preponderantemente à um determinado tomador, sujeitando-se às regras e diretrizes impostas pela empresa que o remunera, numa condição de certa autonomia, porém mesclada com certo controle.

Nessa seara da relação do trabalho em que transportador autônomo submete-se aos comandos da empresa, no entanto sem se enquadrar com exatidão numa concepção de trabalho subordinado e que, mesmo assim, não vislumbra com perfeição a sua característica de autonomia, nasce um outro conceito que foge da clássica divisão, conhecido como parassubordinação. Uma espécie de gênero intermediário entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, sendo parassubordinado.

Sendo assim, conclui-se que a controvérsia, aliada a realidade fática do transportador rodoviário autônomo e as intervenções da justiça especializada, está distante do apaziguamento. Para aqueles que defendem a aplicação da lei especial, porque, antes de mais nada, existe diploma normativo específico, a análise da relação contratual sob a ótica do princípio da primazia da realidade sobre a forma, configura negativa de aplicação da norma cogente. O entendimento é que a realidade do contrato do TAC é clara e absoluta e não deveria estar sujeita à um desvendamento por parte do referido princípio, eis que a realidade é uma só, deve ser enquadrada na lei do setor e possui natureza comercial, ainda mais quando preenchidos todos os requisitos nela previstos.

De outra parte, mesmo ante a presunção de impossibilidade de vínculo empregatício, conforme a regra do Art. 5º da Lei 11.442/2007, vimos que dita presunção é relativa e há reconhecimento de relação de emprego quando a relação jurídica entre as partes se enquadra nas disposições dos Arts. 2º e 3º da CLT. Isso porque não raras vezes, a prestação do serviço não conta com a menor margem de autonomia real e efetiva, além da evidente assimetria econômica existente entre o transportador autônomo e a empresa contratante, estabelecendo uma real subordinação daquele às condições impostas para a execução do trabalho.

A complexidade da relação não é exclusiva dos transportadores autônomos, mas avança para todos aqueles que eventualmente prestam serviços com autonomia, tais como representantes comerciais, corretores de imóveis, encanadores, pintores, diaristas, entre tantos outros. Sendo assim, para a conclusão da natureza do contrato de trabalho do transportador autônomo, compreendo que é necessária a análise pormenorizada de cada caso concreto. Ao identificar a realidade fática de cada caso, é possível assinalar o preenchimento dos requisitos para o exercício da atividade na modalidade autônoma, excluindo o contratante da relação de emprego, como também é possível desconfigurar qualquer tentativa de fraude à legislação trabalhista em desfavor do trabalhador.

O debate já está no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) manejou Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 48) questionando a efetiva constitucionalidade da Lei 11.442/2007, especificamente no que tange à caracterização da relação comercial e ausência do vínculo de emprego. A ação foi distribuída ao ministro Roberto Barroso que, em decisão cautelar, determinou a suspensão de todos os processos da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação de dispositivos da norma que regulamenta a contratação de transportadores autônomos por proprietários de carga e por empresas transportadoras. A medida cautelar está pendente de julgamento pelo plenário do STF.

 

* Cleverson Massao Kaimoto, OAB/PR nº 23.379, advogado atuando na área de Direito Sindical e Assessor Jurídico da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos – CNTA.

 

Gestão Jurídica Contratual: um departamento estratégico

Por Mirielle Eloize Netzel*

 

O contrato é uma ferramenta indispensável para todo e qualquer negócio, por isso demanda elevada atenção. Ele precisa ser analisado e aperfeiçoado constantemente. Apesar disso, um risco bastante comum da atividade empresarial é a assinatura de contratos sem que ocorra a prévia e adequada análise e discussão das cláusulas contratuais. Essa situação abre espaço às incoerências, controvérsias e ao desequilíbrio contratual. A problemática fica ainda mais evidente com a amargura dos riscos e prejuízos experimentados que poderiam ter sido evitados através do apoio de uma gestão jurídica estratégia.

O primeiro passo para mudar esse cenário é desmistificar a visão da empresa de que o departamento jurídico assume o seu papel somente para solucionar conflitos ou em litígio judicial. Esse entendimento de limitar a atuação do advogado após o surgimento do problema precisa ser eliminado para dar lugar a antecipação e prevenção dos riscos, como o apontamento de precauções contratuais voltadas a garantir desde a menor preocupação até a minimização do litígio.

A adoção desse primeiro passo permitirá que a empresa avance para a gestão jurídica contratual traçada com o apoio estratégico de um profissional capacitado. Esse especialista deve estar presente desde a fase pré-contratual com o apontamento dos riscos envolvidos, precauções necessárias e prevenção de riscos e transtornos a partir do conhecimento específico do objeto e das normas a serem aplicadas a cada contratação, seja ela com fornecedores, parceiros, clientes, prestadores de serviços, entre outros.

A gestão jurídica contratual se propõe a ir muito além do conhecimento jurídico a ser aplicado àquela situação. O trabalho envolve conhecer a especificidade do serviço, as necessidades do negócio e eventuais dificuldades no cumprimento das obrigações para a estruturação de procedimentos, adoção de critérios e padrões mínimos de contratação que atendam as políticas da empresa.

Assim, o contrato passa a ser elaborado com segurança e garantias estipuladas através de cláusulas contratuais específicas, aperfeiçoadas e inseridas num ambiente de equilíbrio entre as partes contratantes. A organização adequada desses contratos facilitará o acompanhamento de prazos e condições na execução e cumprimento, assim como, a reanálise da pertinência, o comparativo de preços e a necessidade de rescisão contratual daquelas obrigações que se tornem dispensáveis ou demasiadamente onerosas.

As vantagens da gestão jurídica contratual são rapidamente observadas e contribuem em grande escala para o desenvolvimento da atividade empresarial. Dentre elas destacam-se um menor índice de preocupação, redução não só do ciclo da contratação como também dos custos e riscos contratuais e minimização de litígio.

 

* Mirielle Eloize Netzel é advogada, sócia e coordenadora da área cível do Escritório Motta Santos & Vicentini.

 

Os benefícios do Planejamento Patrimonial

Por Helder Eduardo Vicentini*

 

Você já parou para pensar para quem vai ficar seu patrimônio após o falecimento? Não é fácil aceitar o fato da morte, mas também não há como negar que um dia ela ocorrerá. Talvez essa dificuldade seja um dos principais fatores impeditivos de realizar um planejamento patrimonial sucessório adequado, que seja o reflexo do interesse daquele que nos deixa, e que venha, sobretudo, evitar a digladiação dos sucessores pelo patrimônio daquele que já se foi.

Longe de querer levar o leitor a qualquer desconforto decorrente do questionamento. A pergunta inicial tem o simples intuito de provocar uma reflexão sobre quais seriam as consequências patrimoniais decorrentes de seu falecimento.

Planejar o patrimônio significa adotar um conjunto de estratégias que visam evitar disputas societárias e familiares, impedindo que o patrimônio, ou mesmo a continuidade da atividade empresarial, sejam colocados em risco. Esse conjunto de estratégias vai desde o planejamento dos aspectos tributários, até mesmo à contratação de seguros ou planos de previdência que possibilitem aos sucessores liquidez imediata das despesas que serão originadas a partir da abertura da sucessão.

Com relação aos benefícios, são inúmeros, e sem querer esgotá-los, podemos citar:

i) a já mencionada pacificação entre os sucessores. Já que não podemos levar nosso patrimônio para o além, pense quão gratificante seria deixá-lo de uma forma organizada para os sucessores, de forma que cada um soubesse exatamente o que tem direito a receber, e sem deixar margens para eventual discussão judicial.

ii) a possibilidade de perpetuação da atividade empresarial, pois nessa hipótese de planejamento são pensadas as regras que serão adotadas pela empresa, pelos sócios remanescentes, ou por aqueles que nela adentrarão em razão da sucessão, evitando que pessoas sem afinidade com o negócio, ou sem habilidade de administração, venham a assumir o controle da empresa.

iii) a economia tributária, à medida que a ausência de planejamento pode levar a um pagamento maior do que efetivamente seria com um plano adequado.

iv) a redução do tempo para transferência do patrimônio aos herdeiros, uma vez que a demanda judicial é deixada de lado e todo patrimônio é transferido aos sucessores de forma antecipada, ou de maneira amigável.

v) a segurança jurídica, pois desde antes da abertura do processo de sucessão as partes já sabem o valor que lhes cabe, isso se já não receberam essa quantia quando o sucedido ainda era vivo.

Esses benefícios, logicamente, vão sempre depender da estratégia adotada, que merece ser analisada com cautela e mediante uma assessoria responsável, com amplo conhecimento técnico e com uma visão geral das consequências de cada passo do planejamento, sob pena de serem adotadas medidas que podem colocar em risco o patrimônio, aumentar o custo de todo o procedimento sucessório, ou ainda, gerar disputas decorrentes de um plano desequilibrado.

Planeje sua sucessão, ainda que isso não te garanta um lugar no céu, certamente evitará com que seus sucessores venham a viver um período no inferno e coloquem em risco toda a riqueza produzida durante longos e árduos anos de trabalho.

 

Helder Eduardo Vicentini – Advogado, sócio do escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.

 

Destaques da Lei do Motorista e seus benefícios aos profissionais da área

Por Bruno Rafael Viecili*

 

Você já parou para pensar por qual caminho o seu celular, as suas roupas e até mesmo a sua refeição diária percorreram até chegar a você? Ou ainda, como os mais variados produtos chegam nas prateleiras do comércio de todo o país? Isso só é possível através do transporte rodoviário de cargas, um dos modelos mais expressivos da economia nacional.

No entanto, apesar de sua grande relevância no setor produtivo, os motoristas profissionais, que percorrem inúmeros quilômetros de estrada em seus caminhões e carretas, se deparam com rodovias em más condições, o que significa prejuízos e ameaças às suas vidas.

Além dos problemas estruturais enfrentados, essa categoria de trabalhadores possui riscos e adversidades inerentes à própria profissão, como: excesso da carga horária de trabalho, ausência de fiscalização do tempo de descanso, risco de roubo de cargas, intempéries climáticas, entre outros aspectos que podem contribuir com a elevação dos índices de acidentes e mortes nas rodovias.

Nesse sentido, a Lei nº 13.103/2015, popularmente denominada como Lei do Motorista, além de regulamentar a profissão do transportador autônomo, foi criada para promover a flexibilização dessa atividade e implementar políticas públicas favoráveis ao transporte de carga. Dentre os principais destaques está a regulamentação dos seguintes pontos:

Período máximo de direção e mínimo de descanso: o motorista profissional de cargas não pode dirigir por mais de 5 horas e meia ininterruptas, assegurado 30 minutos para descanso. Em situações excepcionais, esse tempo de direção poderá ser prorrogado em período necessário para que o condutor chegue a um lugar que ofereça segurança. Agora, o controle das jornadas por partes das empresas, passou a ser obrigatório;

Isenção de pedágio para eixos suspensos: os veículos de transporte de cargas que circularem vazios não pagarão taxas de pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos;

Multa por excesso de peso: o embarcador indenizará o transportador por todos os prejuízos decorrentes de infração por excesso de peso na carga, divergentes da nota fiscal, inclusive as despesas com transbordo de carga;

Seguro obrigatório para o motorista: o motorista deve ter um seguro obrigatório, arcado pelo empregador, no qual deve cobrir morte natural, morte por acidente, invalidez total ou parcial decorrente de acidente, traslado e auxílio-funeral;

Exames toxicológicos: Serão exigidos do transportador exames toxicológicos no momento da admissão e do desligamento. O empregador também precisará instituir programas de controle do uso de droga e bebidas alcoólicas pelo menos uma vez a cada 2 anos e 6 meses.

É indispensável destacar que a tecnologia possui grande importância no cumprimento da fiscalização, pois sem ela seria um verdadeiro desafio controlar a jornada do motorista. O uso de softwares possibilita capturar dados em tempo real, além de contribuir com a previsão de entrega e a agilidade na gestão do transporte de cargas.

Em complemento, também se faz necessária a intervenção do Poder Público para fiscalização e aplicação da norma, pois é seu papel também apoiar a iniciativa privada a implantar locais de espera, pontos de parada e de descanso, em prol desses profissionais.

Essas garantias destinadas aos motoristas são de extrema importância, pois transportar é uma profissão de muito risco e exige bastante habilidade. A melhor estratégia, sem dúvida, é conhecer a lei e garantir que os motoristas estejam realizando as viagens de acordo com as novas regras. A lei contribui para aumentar a segurança do transporte e preservar o bem estar desses profissionais.

 

* Bruno Rafael Viecili – Advogado atuando na área cível do Escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.

 

Responsabilidade social empresarial e a sua influência na consolidação da marca

Por Ana Cláudia Pereira Garcia*

 

Responsabilidade social empresarial vai muito além de um mero assistencialismo. Trata-se de ações voluntárias que são realizadas com o propósito de melhorar a qualidade de vida dos funcionários, contribuir com o desenvolvimento da comunidade e com a preservação do meio ambiente. Tais iniciativas trazem também benefícios positivos às organizações, como veremos a seguir.

As empresas socialmente responsáveis não realizam atos visando o lucro ou buscam resolver um problema imediato. Tão pouco agem em decorrência de uma ação de marketing ou para evitar o pagamento de impostos. Essas companhias têm como objetivo formar pessoas melhores, ajudar no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e também na preservação do meio ambiente.

Nos últimos anos o mercado mudou. Se antes o que importava era apenas o produto final, hoje muitas pessoas querem saber sobre o processo de fabricação e criação de determinado produto ou serviço. Esses consumidores possuem o objetivo de comprar ou realizar negócios com empresas que tenham um compromisso com os funcionários, com o meio ambiente e com a comunidade.

Quando a empresa tem esse compromisso, os benefícios são imensuráveis e alcançados a longo prazo como, por exemplo, reconhecimento e credibilidade da marca, satisfação dos clientes, conquista de novos investidores, motivação e engajamento dentro do ambiente de trabalho e maior competitividade.

Muitas empresas são destaques no mercado, não somente pelo seu produto mas também pelas iniciativas. A Coca-Cola é um exemplo, há anos colabora com a campanha HeForShe da ONU, a qual busca envolver homens na luta pela igualdade de gênero. Ela também realiza eventos de arte, teatro e literatura com a finalidade de incentivar a cultura na sociedade. Outra empresa socialmente responsável é a Natura. Com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino brasileiro, a marca criou o Instituto Natura, o qual apoia várias iniciativas voltadas a professores, escolas e gestores públicos.

Para que a empresa se torne socialmente responsável é importante, primeiramente, criar valores e estratégias que se alinhem com o modelo de negócio. Como segundo passo, é fundamental que os diretores compartilhem com todos os colaboradores e familiares a missão, visão e valor da empresa, uma vez que todos deverão agir em prol do mesmo objetivo.

Além disso, é necessário que a companhia adote um comportamento ético, que aja de acordo com as leis, normas e diretrizes e seja transparente com seus colaboradores e seu público externo. Neste momento, o Programa de Compliance é um aliado da responsabilidade social empresarial, uma vez que ajudará nas tomadas de decisões, na definição de estratégias e na identificação de qualquer desvio ou inconformidade.

De uma forma mais resumida, a empresa precisa ter ciência das suas ações e decisões e se responsabilizar por seus impactos na sociedade, economia e no meio ambiente. Independente do seu tamanho, toda corporação deveria implantar a responsabilidade social, pois são ações simples que trazem benefícios gigantescos tanto para a empresa quanto para a sociedade.

 

* Ana Cláudia Pereira Garcia –  Advogada, sócia, atuando como Controller Jurídico no escritório Motta Santos & Vicentini.

Organização Patrimonial: sua amplitude e benefícios

Por Alziro da Motta Santos Filho*

 

A acirrada concorrência profissional e empresarial de hoje, faz com que cada vez mais tenhamos que nos especializar e nos aprofundar no conhecimento de nosso negócio e acabemos por relegar, em certa medida, a atenção que a administração do patrimônio acumulado exige. Surge daí a necessidade de uma organização patrimonial sob diversas faces, para que se possibilite ao agente econômico ter tranquilidade para focar em seu negócio, sabendo que seu patrimônio está adequadamente organizado de acordo com seus anseios.

Uma organização patrimonial moderna abrange os seguintes aspectos, os quais devem ser elaborados de forma sintonizada e sincronizada, para que toda a estrutura se encaixe às necessidades e desejos de seus titulares:

– Relacionamento Societário

– Planejamento Sucessório Empresarial e Familiar

– Análise e Adequação Tributária

– Proteção Patrimonial

O Relacionamento Tributário consiste no estabelecimento de regras extraídas da vontade dos sócios, tratando de absolutamente todos os assuntos intra corporis, ou seja, todo o relacionamento dos sócios entre si e entre eles e a empresa. Essas regras são acordadas e redigidas, buscando a transparência e a previsibilidade nas mais diversas situações da vida empresarial, de acordo com a especificidade de cada sociedade, por exemplo: ingresso de familiares na empresa, utilização dos bens e serviços da empresa pelos sócios e seus familiares, sucessão empresarial, profissionalização da gestão, exclusão de sócio, aquisição ou alienação de bens, distribuição de lucros e aposentadoria dos sócios-gestores.

A Organização Sucessória consiste em ajustar o patrimônio da pessoa física, são elas: as participações societárias, bens móveis e imóveis, ativos financeiros, passivos financeiros, imóvel residencial, enfim, todo o patrimônio pessoal do empresário ou profissional liberal, para os eventos naturais da vida, como falecimento, divórcio ou matrimônio dos herdeiros. O trabalho consiste em adequar o patrimônio acumulado à vontade de seu titular, quando ocorrer um desses fatos acima citados, para que se dê do modo mais suave possível, principalmente do ponto de vista de convívio entre familiares.

O Planejamento Tributário, por sua vez, consiste na adequação de todo o patrimônio, bem como das atividades empresariais, às opções tributárias disponíveis no regramento jurídico, levando em consideração a vontade do titular do patrimônio, no que tange aos aspectos societários, sucessórios e de proteção patrimonial, sempre buscando a redução da carga tributária em caso de ocorrência de qualquer fato, ou mesmo na operação empresarial exercida.

Mas não se pode chegar ao resultado final da equação da organização patrimonial sem se atentar para os aspectos relevantíssimos da proteção patrimonial. E aqui vale um esclarecimento: a proteção patrimonial não consiste em esquivar o patrimônio acumulado de responder por dívidas contraídas ao longo da vida. Se assim fosse, o mundo entraria em caos, pois bastaria elaborar um plano de proteção patrimonial para que qualquer um atingisse o benefício ilegítimo de blindar seu patrimônio contra todas as dívidas existentes. Lembrando que ora somos devedores, mas também ora somos credores, e como tal desejamos ver nosso crédito satisfeito.

Dito isso, destacamos que esta face da organização busca proteger o patrimônio acumulado pela pessoa física de dívidas oriundas da atividade empresarial, demandas indenizatórias de responsabilidade civil, assim como, ajustar o patrimônio e regrar o titular e seus familiares nas relações afetivas em que se envolverem no curso da vida. Para que assim, eles saibam exatamente qual o reflexo que as uniões terão sobre o patrimônio, e ainda, o que fazer diante de cada situação desta.

De modo geral, as etapas da organização patrimonial passam por:

1. Levantamento de bens e direitos
2. Levantamento dos objetivos dos envolvidos (titular, sócios, herdeiros, cônjuges, etc…)
3. Sincronia para adequação da vontade dos envolvidos às normas jurídicas e a interconexão societária, sucessória, tributária e de proteção do patrimônio;
4. Implementação do Plano de Organização Patrimonial – POP.

É importante desmistificar o entendimento de que a organização patrimonial especializada é necessária somente para grandes empresários com alto volume de riquezas acumuladas. Isso não condiz com a realidade. Este trabalho é extremamente útil para profissionais liberais, pequenos e médio empresários, pois, independente do montante de bens, o patrimônio de uma pessoa é tudo o que ela possui de bens materiais. Sem mencionar, que os fatos naturais da vida rondam a todos nós e temos que estar sempre preparados para quando acontecerem.

Vale ressaltar que essa organização transcende ao espectro do patrimônio material do indivíduo, pois protege também as suas relações afetivas e familiares, afastando dúvidas e conjecturas para uma pacificação destas relações. Porém, a organização patrimonial cumpre o objetivo do momento. Sendo assim, recomenda-se revisitar o POP a cada década, ou quando houver alteração substancial da condição patrimonial, societária, afetiva, familiar ou tributária, para os necessários ajustes, visto que é impossível efetuar um planejamento estático de todos os caminhos de sua vida.

 

* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial, vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná e conselheiro da OAB-PR.  

Vale-pedágio: um direito suprimido do transportador rodoviário de cargas e a correta interpretação legal

Por Mirielle Eloize Netzel*

 

Apesar de ter sido criada há quase 18 anos, a Lei nº 10.209, de 23 de março de 2001, que instituiu o vale-pedágio obrigatório sob o transporte rodoviário, precisa de um novo exame para esclarecer o direito assegurado ao transportador rodoviário de cargas. Muitas vezes, a Lei é interpretada erroneamente pelo Judiciário em detrimento do descumprimento escancarado dos embarcadores e contratantes do serviço de transporte, que deixam de custear o pedágio do transporte contratado e descontam, indevidamente, os custos do transportador autônomo.

Para explicar de um jeito prático o assunto, separei o conteúdo em formato de perguntas e respostas. Assim é possível conhecer o direito, a lei e as sanções decorrentes do seu descumprimento.

 

1. O que é o vale-pedágio e qual é a lei?

A Lei do Vale-Pedágio, nº 10.209 de 2001, regulamentada pela Resolução ANTT nº 2885/2008 e Resolução ANTT nº 3850/2012,  surgiu com o principal objetivo de proteger o transportador autônomo de cargas e isentá-lo do pagamento do pedágio.

 

2. Como o pagamento do vale-pedágio deve ser feito?

Nos termos do artigo 3º, §2º, da legislação aqui tratada, o vale-pedágio deve ser antecipado e entregue ao transportador autônomo, no ato do embarque do serviço contratado, através de um cupom, cartão eletrônico ou pagamento automático de pedágio.

Em se tratando de cupom, o transportador deve receber cupons do contratante e usá-los para o pagamento dos pedágios nas cabines de cobrança. O cartão eletrônico, por sua vez, exige que o contratante carregue o valor correspondente aos pedágios existentes no trecho a ser percorrido, devendo constar no comprovante as informações do responsável pelo carregamento do cartão. E, por fim, para realizar o pagamento automático de pedágio, é exigido ao contratante do transporte que ele se cadastre nas empresas habilitadas pela Agência Nacional dos Transportadores Terrestres (ANTT), para a obtenção de um código de dispositivo eletrônico do transportador que será utilizado para liquidar o valor do pedágio.

 

3. Para fins de cumprimento a Lei, basta então que o contratante e/ou embarcador entregue ao transportador autônomo o cupom, cartão eletrônico ou pagamento automático de pedágio?

Não. É necessário voltar a sua atenção para esse ponto. Em quaisquer das modalidades de pagamento escolhidas, o responsável pelo pagamento deve, obrigatoriamente, emitir um comprovante e anexá-lo ao documento fiscal que acoberta o transporte, mediante a aposição de um código gerado para facilitar a fiscalização.

 

4. O pagamento do pedágio pode ser efetuado em dinheiro, separadamente do valor do frete?

Definitivamente não. Aquele que efetuar o pagamento do pedágio em dinheiro, ainda que separando-o do valor do frete estará descumprindo a lei, criada justamente no intuito de coibir que o pedágio possa, ao final, ser custeado ilegalmente pelo transportador.

Novamente, devemos redobrar a nossa atenção, pois, a aceitação do pagamento do pedágio em dinheiro, somente pelo fato de constar em separado do valor do frete é um dos erros mais comuns e é prova incontestável do descumprimento da legislação.

 

5. Havendo o descumprimento da Lei do Vale-Pedágio, quais são as sanções cabíveis?

Nos termos do contido no artigo 5º, da Lei nº 10.209/2001 e artigo 20, aquele que infringir a Lei do Vale-Pedágio estará sujeito a aplicação de multa administrativa de R$ 550,00 a R$ 10.500,00.

Além da penalidade administrativa, o infrator ficará obrigado a indenizar o transportador autônomo de cargas que não receber o vale-pedágio e que tiver os custos do pedágio pagos em dinheiro, descontados ou não do valor do frete, no valor correspondente ao dobro do valor do frete, conforme regra esculpida pelo artigo 8º, da Lei nº 10.209 de 2009, além do ressarcimento dos custos do pedágio.

 

Exemplificando:

Sou transportador autônomo de cargas e fui contratado para a realização do transporte de determinada mercadoria, mediante o pagamento do frete de R$ 2.100,00. Constou no documento do transporte separado do valor do frete a quantia de R$ 400,00 como custos do pedágio. Recebi R$ 2.500,00 e gastei R$ 396,00 com pedágios. Qual é o meu direito e em qual quantia devo ser ressarcido?

Lembre-se: pagamento em dinheiro não serve para fins de cumprimento a lei, ainda que seja separado do valor do frete.

Então, tenho direito ao ressarcimento dos valores gastos com o pedágio (R$ 396,00) mais a indenização prevista no artigo 8º da Lei 10.209 de 2009, correspondente a duas vezes o valor do frete (R$ 2.500,00 x 2 = R$ 5.000,00). No total, devo ser ressarcido em R$ 5.396,00.

 

6. De quem devo exigir o ressarcimento de valores gastos com o pedágio e a indenização prevista pelo descumprimento a Lei?

A lei atribui obrigatoriamente a responsabilidade pela antecipação do vale-pedágio aos embarcadores e/ou contratantes do serviço. O embarcador deve ser entendido como o dono da mercadoria a ser transportada.

A lei equipara ainda, aos embarcadores e qualifica como responsáveis pelo pagamento o contratante do serviço que não seja o proprietário da carga e a empresa transportadora que subcontratar o serviço de transporte de carga prestado por um transportador autônomo.

O direito ao ressarcimento de valores e a indenização derivada do descumprimento a Lei, deve então, ser exercido contra o dono da carga, o contratante do serviço, ainda que não seja proprietário ou a empresa que subcontratou o serviço, podendo ser exigido contra um ou contra todos.

 

* Mirielle Eloize Netzel é advogada, sócia e coordenadora da área cível do Escritório Motta Santos & Vicentini.