Dinheiro é um mecanismo engenhoso: permite que a costureira compre cinco pãezinhos sem ter de fazer o avental do padeiro. Pode ser definido como algo que todo mundo quer, mas que não pode ser muito abundante, de modo que cada governo se responsabiliza por manter sua moeda como um bem relativamente raro.
Ao contrário disso, a ideologia por trás do Bitcoin, a principal criptomoeda mundial existente atualmente, é de que ela seja um ‘‘dinheiro’’ absolutamente descentralizado, não controlado pelas instituições bancárias e nem por governos. As transações são feitas de forma digital, e a estratosférica saga do Bitcoin valorizou abundantemente nos últimos tempos, atraindo até os investidores da Bolsa de Valores.
Seu gigantesco crescimento mundial, está fazendo com que o mercado das moedas virtuais seja cada vez mais popularizado, de forma que os comerciantes e empresários futuramente a aceitem como pagamento de seus produtos e serviços, e seja utilizada desde a compra de alimentos até o pagamento de aluguel.
O diferencial dessa tecnologia é que ela não está submissa às autoridades financeiras, não passa pela incidência de impostos, e possui custos baixos de transação, o que, aliada à internet, cada vez mais veloz e potente, cria um grande cenário de atração para investidores, permitindo uma grande expansão desse novo mercado.
Juridicamente, o Bitcoin pode ser classificado como um bem móvel incorpóreo, utilizado na troca de bens e serviços. Não pode ser considerado um título de crédito eletrônico brasileiro, pois não se enquadra nos requisitos de circulação e criação, estabelecidos no Código Civil (arts. 887 a 926).
No Brasil, a utilização do Bitcoin é questionável e possui diversos desafios, uma vez que no Direito Brasileiro não existe nenhuma regulamentação oficial ainda a respeito das criptomoedas, além do que, sua natureza jurídica se torna complexa, pois dependendo do tipo de negócio e o campo econômico em que se utiliza um Bitcoin como forma de pagamento, a sua transação resulta em um impacto jurídico e tributário específico, resultando em uma certa instabilidade.
Essa pluralidade de formas assumidas pela moeda digital, a faz possuir uma natureza jurídica de ‘‘camaleão’’ e certamente trará impactos na esfera jurídica, em especial na tributação, na fiscalização da Receita Federal, nas relações cambiárias, nas ações e medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, e até mesmo o comportamento da inflação numa eventual hipótese de adoção do Bitcoin como moeda.
Daí surgiria um entrave, pois a Constituição Federal Brasileira diz que somente o Banco Central pode emitir moedas. Por isso, em tese, o Bitcoin não pode ser considerado ainda como uma moeda, nem como valor mobiliário, exatamente pelo fato da moeda digital ser descentralizada.
Em contrapartida, os princípios constitucionais da livre iniciativa e ordem econômica, regulamentados no artigo 170 da Constituição Federal, faz o Brasil um forte candidato para liderar a expansão desse novo mercado da tecnologia, o que deveria ganhar mais força, pois já é possível perceber que estamos em uma rota de convergência ante a inevitabilidade do alta tecnologia, principalmente no mundo jurídico.
Em termos tecnológicos, é inegável que a rede do Bitcoin está quebrando barreiras e está atuando em escala global. Ao fazer uso do dinheiro digital, o consumidor colhe inúmero benefícios, como agilidade, privacidade, segurança e economia de custos. A título de comparação, a transferência de uma criptomoeda de um usuário para outro costuma durar entre 10 a 20 minutos, enquanto que numa transação bancária, um TED por exemplo, pode levar até uma hora. No caso de envio internacional de dinheiro, pelos meios tradicionais, mais de 3 dias úteis, além de todas as despesas, burocracia e taxas internacionais impostas.
Pelo andar da carruagem, não é um absurdo dizer que comparar uma transação na Blockchain com uma transferência bancária padrão é o mesmo que comparar o envio de um e-mail com o envio de uma carta pelos correios.
Como ainda não há restrição normativa para o uso das criptomoedas, além de sua utilização não estar sujeita à regulamentação do Banco Central, esse cenário acabou por deixar o governo temeroso. A Câmara dos Deputados já está atuando para criar uma regulamentação nacional a respeito, e formalizar o seu uso como método de pagamento, através do Projeto de Lei nº 2303/2015, mas há quem seja contra, e inclusive, defende pela proibição e criminalização das criptomoedas no Brasil, o que não é de causar surpresa, pois nenhum governo pretende perder o controle sobre a própria economia. E o monopólio da produção da moeda é essencial para a manutenção desse controle.
Não há como negar que essa inovação passa bem longe do controle governamental, pois as criptomoedas ultrapassam as fronteiras e podem ser negociadas de qualquer parte do mundo. Em um futuro próximo, todas essas variáveis não impedirão uma regulamentação das moedas virtuais, pois essa época de bons ventos, em que a tecnologia vem favorecendo cada vez mais o seu usuário, fará com que o mundo estude e compreenda essas mudanças irreversíveis.
Com essa nova realidade chegando, o nosso País precisa ter ciência da complexidade dos fenômenos tecnológicos, e, talvez, da incapacidade de dominar essas ferramentas por meio dos recursos tradicionais da legislação. É necessário refletir se não é o momento de uma verdadeira mudança no paradigma jurídico em decorrência do salto acelerado da inovação tecnológica.
O Brasil precisa de uma política clara e que estimule cada vez mais a inovação tecnológica, caso contrário, deixará de ser um País competitivo no mercado global. Como já dizia Albert Einstein: ‘‘Se tornou aparentemente óbvio que nossa tecnologia excedeu nossa humanidade’’
Bruno Rafael Viecili
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Advogado atuando na área cível do Escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados.