Como pagar menos impostos na sucessão patrimonial

Por Helder Eduardo Vicentini*

 

Diariamente somos submetidos ao pagamento dos mais diversos tipos de tributos. Desde a remuneração pelo nosso trabalho, o alimento que consumimos, as roupas, os momentos de lazer, até a cama em que repousamos, absolutamente tudo é tributado, seja de forma direta ou indireta.

Ainda que a tributação seja essencial para o funcionamento do Estado, e independentemente da discussão dela ser utilizada de forma eficiente pelo poder público, é certo que muitos tributos são pagos indevidamente, seja em decorrência de um emaranhado quase incompreensível de leis, decretos, medidas provisórias, orientações, resoluções, portarias, etc., seja em razão da simples falta de adoção de um planejamento adequado que possa levar o contribuinte a reduzir, de forma legal, a quantidade de tributo paga ao poder público.

Quando falamos de planejamento, não estamos nos restringindo somente àqueles realizados pelas grandes corporações, ou por aquelas pessoas físicas dotadas de patrimônios gigantescos. É perfeitamente possível que qualquer cidadão planeje como pagar menos tributos, seja, por exemplo, pela simples organização de documentos que possam gerar deduções no momento da apuração do imposto de renda, seja pela adoção de estratégias que reduzam os custos de uma sucessão patrimonial.

Pensar em planejamento da sucessão patrimonial é pensar na adoção estratégias que sejam eficazes na redução do custo com inventário, na redução dos tributos decorrentes dessa sucessão, na agilidade com que todo procedimento é realizado, e na prevenção de discussões familiares decorrentes da partilha de bens. Atualmente, estima-se que um inventário pode custar até 15% do patrimônio inventariado.

Não existe uma regra genérica que possa ser adotada para todos, pois cada situação deve ser analisada individualmente, respeitando as particularidades de cada pessoa, do patrimônio e de cada família envolvida. Mas o mais interessante é que, uma vez identificadas essas particularidades, a adoção de um planejamento adequado só trará benefícios.

Entenda algumas das ferramentas capazes de proporcionar os benefícios acima elencados:

Holdings Familiares – criação de empresas que possam concentrar ou organizar o patrimônio familiar. Distribuem-se as quotas sociais da empresa entre os familiares sucessores e criam-se regras de administração dos bens. Por ocasião do falecimento, as quotas já estão divididas proporcionalmente entre os sucessores e não há necessidade de inventário.

Testamento – cada pessoa pode deixar até metade de seu patrimônio para quem desejar, de sorte que ainda que haja a incidência de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) no momento do inventário, a antecipação da vontade do testador pode facilitar a partilha dos bens e evitar conflitos entre os sucessores.

Previdência privada – para situações em que boa parte do patrimônio está concentrada em recursos financeiros, a adoção da previdência privada é uma boa estratégia, à medida que ela figura como uma espécie de seguro e é possível designar quem serão os beneficiários em caso de morte do titular. Os recursos financeiros são transferidos para esses beneficiários sem a necessidade de um inventário e não há a necessidade de pagamento de ITCMD, que pode chegar até a 8% do valor do patrimônio. Mesmo que alguns Estados entendam que há incidência de ITCMD sobre os valores recebidos pelos beneficiários, a questão é objeto de debate nos Tribunais Judiciais, com decisões favoráveis aos contribuintes.

Seguros de vida resgatáveis – a exemplo da previdência privada, é possível designar quem serão os beneficiários em caso de falecimento. Os valores decorrentes de seguro também são transferidos para esses beneficiários sem a necessidade de um inventário e não há a necessidade de pagamento de ITCMD, que pode chegar até a 8% do valor do patrimônio.

Doações – É possível que o patrimônio seja antecipado aos sucessores por doação em vida. Essa modalidade de planejamento evita desgastes desnecessários entre os sucessores, e permite que, caso seja efetuado com usufruto vitalício, que o doador possa usufruir do bem até o momento de seu falecimento. O imposto incidente sobre a doação também é o ITCMD, que pode chegar a 8% do valor do patrimônio, sendo que alguns Estados possibilitam o pagamento de metade do imposto no momento da doação e a outra metade quando do falecimento do doador.

Agora que você já sabe que pode, de uma maneira legal, ir além da passividade de simplesmente pagar os tributos que nos são impostos no dia a dia, pense, planeje, busque uma solução que possa lhe proporcionar economia e a certeza de que seu patrimônio não será objeto de disputas familiares, nem tão pouco será dilacerado pela voracidade arrecadatória do Estado.

 

* Helder Eduardo Vicentini – Advogado, sócio do escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.

Responsabilidade pré-contratual: dever de indenizar antes mesmo da assinatura do contrato

Por Thiago Henrique de Melo*

Como bem sabemos, a relação humana é regida por inúmeros fatores que facilitam e regulam a convivência em sociedade. Um desses elementos pode ser indicado pelo famoso instrumento particular da vontade, o contrato, que nada mais é que a exteriorização de uma vontade representada por duas ou mais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, direcionadas a um fim. De um lado alguém visando o objeto do contrato e de outro alguém aguardando a contraprestação.

O contrato se desenvolve respeitando algumas etapas, são elas: as negociações preliminares (onde se pondera as intenções); a proposta (que seria o objeto do contrato e as condições da contraprestação); a aceitação (que nada mais é que a resposta dada a proposta e os elementos ponderados); a fase de pré-execução (onde devem ser esboçados os detalhes minuciosos sobre a elaboração do instrumento); a execução (que seria a formalização propriamente dita, com a assinatura) e os efeitos posteriores, ou no caso, o seu encerramento, chamada de fase pós-contratual.

Desta execução nascem para as partes determinados direitos e deveres/obrigações, razão pela qual a não observância de alguma cláusula, por exemplo, pode ensejar a resolução (rompimento) do contrato.

Importante nos atentarmos também que, muito se imagina que a obrigação entre as partes passa a existir somente após a assinatura do contrato, mas é um engano, posto que é devidamente possível exigir conduta adequada da parte antes mesmo da assinatura, neste caso estaremos frente ao chamado instituto da responsabilidade pré-contratual, que é basicamente o que o nome sugere. Se uma das partes cria a expectativa de contratar com outra pessoa, obrigando-o a contrair despesas, por exemplo, e depois sem qualquer razão, põe fim nesta negociação, a parte prejudicada, que teve prejuízo, pode requerer o ressarcimento pelos danos que sofreu.

A título de exemplo, pensemos o seguinte: uma empresa convida um empresário de Recife para que vá até sua sede, em São Paulo, para assinarem futuro contrato. O empresário gasta com passagem de avião, translado, alimentação, estadia em hotel, entre outras despesas, e ao chegar à sede da empresa é comunicado que o contrato já fora firmado com um terceiro. Ou seja, neste caso o sujeito que se deslocou, gastou seu tempo e teve prejuízo financeiro com passagem, estadia, refeições, entre outras coisas, de certo que poderá requerer indenização, mesmo que o contrato nem sequer tenha sido celebrado, com respaldo legal frente à interpretação extensiva dada ao artigo 422 do Código Civil brasileiro.

A responsabilidade pré-contratual está debruçada à chamada Tutela de Confiança, bem como ao termo “venire contra factum proprium”, que veda comportamentos contraditórios ao indicado inicialmente, exatamente o que ocorreu neste exemplo.

Sendo assim, é importante observar que a “responsabilidade contratual” pode surgir ainda antes das assinaturas postas aos papéis, por isso é interessante cautela e muito cuidado já na fase pré-contratual, para não gerar aborrecimentos desnecessários. Nestes casos, a assessoria de um advogado pode ser a melhor alternativa.

 

*Thiago Henrique Melo – pós-graduado em Direito e Processo Civil, advogado da área Civil junto ao Escritório Motta Santos e Vicentini.

 

Aumento do diesel: um falso dragão para os caminhoneiros

Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo

Por Alziro da Motta Santos Filho*

 

A crise que assola o país desde 2012 atinge o setor de transporte rodoviário de cargas com elementos especialmente dramáticos. Como se trata do setor que transporta os bens produzidos e comercializados, a redução na atividade econômica afeta o setor de forma mais severa e rápida.

Porém, o transporte rodoviário de cargas agoniza não só por conta da redução do volume de cargas transportadas, mas também pelo endividamento dos transportadores e pelo excesso de equipamentos no mercado, provocados pelo irresponsável incentivo dado pelo Governo Federal, nos anos de 2011 a 2012, que concedeu crédito para aquisição de caminhões a juros de 4,5% ao ano, além de redução do IPI sobre veículos novos e do IOF sobre o financiamento de veículos. As medidas visavam atender a um suposto futuro aumento da demanda de cargas, o qual, veríamos mais tarde, jamais se concretizaria, bem como para agradar as montadoras de veículos. Ambos os atos tinham por pano de fundo incrementar artificialmente os índices de medição da economia.

Ocorre que a crise que se sucedeu depois das ditas medidas, atingiu o setor no seu momento mais frágil: endividado pelo investimento feito em novos caminhões (cerca de 350 mil veículos novos entraram no mercado em 3 anos) e com superoferta de veículos. Isso fez com que os preços de fretes despencassem vertiginosamente.

Vemos que desde então, enfrentamos movimentos paredistas de caminhoneiros cada vez mais intensos e avassaladores. Tivemos paralisações em 2012, 2015 e a última em 2018, e desde então, o país vive sobre uma constante ameaça de nova revolta deste setor.

Por certo que a fama de manifestantes recai sobre os ombros dos caminhoneiros autônomos. Porém, o Brasil é esmagadoramente atendido neste setor por transportadores de porte pequeno, ou seja, ou são caminhoneiros que trabalham com seu CPF, ou caminhoneiros “pejotizados”, visto que, além dos 400 mil caminhoneiros existentes, as empresas de transporte de cargas, que tem uma frota de 1,2 milhões de veículos, possuem em média, 4 veículos automotores por CNPJ. Vê-se que somos um país transportado por microempresas e pessoas físicas, e, obviamente, na estrada, os caminhoneiros não sofrem os efeitos da crise sozinhos. Estas microempresas passam pelas mesmas mazelas.

Nos movimentos de paralisação que se sucedem desde então, o diesel é pauta constante das reivindicações. Caminhoneiros querem a redução do Diesel como forma de reduzir o custo e, assim aumentar sua lucratividade. O subsídio dado pelo Governo Temer, de R$ 0,46 sobre o litro do diesel, que durou 7 meses, custou aos cofres públicos algo próximo de R$ 10 bi. Todo esse dinheiro foi gasto mas não resolveu em absolutamente em nada os problemas do setor.

Os caminhoneiros autônomos respondem por meros 6% do volume do diesel consumido no Brasil. Outros 6% seriam das microempresas de transporte. Ainda assim, teríamos apenas uma fração mínima de 12% do consumo destinado aos manifestantes, e o restante veio a beneficiar os contratantes dos serviços de transporte de cargas (indústria, comércio e agronegócio) que consomem óleo-diesel em seus meios de produção.

Vemos que a redução do preço do diesel apenas trará mais agruras para o transporte de cargas, pois o valor do frete será imediatamente reajustado conforme a variação negativa do diesel. Sem contar ainda com um possível ingresso de novos transportadores, seduzidos pelos custos ilusoriamente baixos dos combustíveis.

O que causa maior impacto no bolso dos transportadores, portanto, não é o preço do óleo em si, já que este será absorvido pelo frete que deve, ao final do dia, custear este insumo. Mas sim, o que causa dano ao setor é a constante e imprevisível variação do preço do combustível. Tal qual como é feito hoje, de forma desavisada e por vezes diária, impossibilita ao setor repassar eventual custo para o frete, visto que muitas vezes ele já está contratado.

Missão difícil das entidades de classe representativas do setor: informar a sua categoria de que a sua principal reivindicação, mesmo se atendida, não melhorará as condições de trabalho, mas sim, culminará em maior arrocho e dificuldades.

Portanto, se o governo quiser ajudar o setor como um todo, precisa estabelecer critérios de periodicidade para aplicação da variação do combustível. Assim o setor pode se organizar e, eventualmente, sofrer menos neste cenário.

 

* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial.  

STJ define tese sobre prescrição do redirecionamento da execução fiscal

Por Paulino Mello Júnior*

 

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito de recurso repetitivo, definiu o marco inicial do prazo prescricional para a Fazenda requerer o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios administradores da empresa.

Em outubro de 2010, o STJ submeteu o RESP 1.222.444/RS a sistemática dos recursos repetitivos, com a finalidade de pacificar o entendimento da corte quanto ao termo inicial da prescrição para redirecionamento da execução fiscal. No julgamento finalizado no dia 08/05/2019, o STJ definiu 3 teses para determinar o termo de início da prescrição.

Nos casos em que a dissolução irregular da pessoa jurídica, considerado como encerramento das atividades sem pagamento dos débitos fiscais, ocorrer antes da citação da empresa no processo de execução fiscal, a Fazenda Pública terá o prazo de 5 anos após a citação da pessoa jurídica, para requerer o redirecionamento da cobrança para a pessoa física dos sócios administradores. Neste caso o termo inicial da prescrição para o redirecionamento é a citação da empresa devedora originária.

A segunda tese fixada pela Corte determina que, quando a dissolução irregular da empresa ocorrer após a citação da pessoa jurídica no processo de execução fiscal, a citação por si só não é considerada como termo inicial da prescrição, posto que neste momento não há pretensão de cobrança contra os sócios. Porém, o termo inicial da prescrição é de 5 anos contados da data da prática do ato ilícito. Aqui houve uma vitória dos contribuintes, já que a Fazenda pedia que o termo inicial da prescrição fosse considerado a partir do momento em que fosse certificado no processo de execução a dissolução irregular da empresa. Contudo, o STJ definiu que é da data do ato ilícito e não da data em que a Fazenda toma conhecimento do ato.

Por fim, o STJ definiu que, em qualquer hipótese, para que seja decretada a prescrição, deve ser demonstrado inércia da Fazenda Pública na cobrança do crédito. A definição sobre o tema traz segurança jurídica aos contribuintes com a uniformidade da jurisprudência sobre o tema. Ainda, ao definir os limites temporais para redirecionamento da execução fiscal se evita a perpetuação da cobrança dos créditos pelas Fazendas Públicas.

 

* Paulino Mello Júnior é advogado, sócio e coordenador da área Tributária do Escritório Motta Santos & Vicentini.

Planejamento empresarial e os reflexos trabalhistas

Por Janaina Lima de Souza*

A abertura de uma empresa ou a sua reestruturação societária (aquisição, incorporação, transformação, fusão ou cisão) requer a realização de um planejamento interdisciplinar, com o intuito de evitar fragilidade em sua estrutura e trajetória organizacional.

De modo geral, o planejamento analisa a viabilidade do negócio, antes de assumir os riscos dessa aquisição, e implementa a adoção de políticas preventivas iniciais e contínuas, o que ocasiona proteção em momentos de crise e maior competitividade negocial. Assim como os planejamentos empresarial, societário e tributário, o planejamento trabalhista é primordial para o desenvolvimento e crescimento das empresas.

O empregador é o responsável pelos riscos da atividade econômica e as mudanças na estrutura jurídica da empresa não afetam os contratos de trabalho já existentes, pois o sucessor, além de assumir as riquezas produzidas pela empresa, adquire também os ônus decorrentes dessa sucessão empresarial.

Para fins trabalhistas a cláusula contratual de exclusão de responsabilidade não possui qualquer efeito, já que a aquisição empresarial atinge os débitos dos antigos, atuais e futuros empregados.

Mas existe exceção: no caso de aquisição do estabelecimento por leilão ou hasta pública, em decorrência de recuperação judicial ou falência. Para garantir a segurança jurídica ao comprador, essa aquisição não configura sucessão trabalhista. E, os empregados serão admitidos mediante novos contratos de trabalho, ocasião em que o arrematante não responde pelas obrigações do contrato anterior.

O planejamento trabalhista é realizado de modo personalizado, de acordo com a realidade de cada empresa, dentre outras atividades ocorre:

(a) detecção dos riscos jurídicos, por meio de análise documental e do ambiente de trabalho.

(b) adequação das normas legais aplicáveis, tais como: legislação geral e específica, convenções coletivas, e Normas Regulamentares (NRs).

(c) adoção de práticas que visem eliminar os riscos (ambiente de trabalho improdutivo, acidentes de trabalho, autuações administrativas, ações trabalhistas etc), inclusive com a implementação de políticas.

(d) análise de eventuais autuações administrativas e ações trabalhistas anteriores, para rever os erros ali cometidos.

(e) adequação na cultura da empresa às práticas implementadas.

Realizar um planejamento adequado é menos oneroso a longo prazo, pois reduz custos (tais como multas administrativas e ações judiciais), proporciona um ciclo de existência empresarial saudável – ante o alinhamento preventivo de acordo com as regras legais, como também fortalece, expande e protege o patrimônio, além de ocorrer adaptação ao mercado, atraindo investimentos e efetivação de parcerias estratégicas.

 

*Janaina Lima de Souza – Advogada, atuando na área trabalhista do escritório Motta Santos & Vicentini.

Aumento do Diesel x Caminhoneiros: Uma corrida atrás do prejuízo

Por Alziro da Motta Santos Filho*

 

Para dissipar o movimento paredista dos caminhoneiros em maio de 2018, o Presidente Michel Temer extinguiu a CIDE sobre o Diesel e subsidiou o preço do combustível, para reduzi-lo em R$ 0,46 centavos na refinaria. Essa medida, que durou 6 meses, teve um custo de R$ 10 bilhões para a União. Ocorre que, passados quase um ano, o transporte rodoviário de cargas (TRC) continua em plena crise, sucateado, com fretes baixos e em constantes ameaças de greve. E novamente o Governo Federal, agora sob o bastão do Presidente Bolsonaro, determinou que a Petrobrás se abstenha de aumentar o diesel de acordo com a flutuação do preço internacional. Tal intervenção na estatal fez com que as suas ações comercializadas na bolsa de valores despencassem, numa redução de seu valor de mercado em R$ 32 bilhões de reais.

Isso nos remete a uma expressão popularizada por Galvão Bueno: “correr atrás do prejuízo”, que é dita para narrar o comportamento daquele que tenta se recuperar de uma derrota, ou um infortúnio. Porém, o significado literal da dita expressão é exatamente o oposto. Correr atrás da derrota, do prejuízo é diverso de correr atrás da vitória, do lucro, do sucesso. Mas parece que nosso Brasil, e nós brasileiros, dia após dia corremos, de fato, atrás do prejuízo mesmo.

Antes de fazer algumas contas, vamos a alguns dados:

– Do consumo de óleo diesel no Brasil, a indústria responde por 30%, a agricultura por 35%, e o transporte em geral por outros 35%;

– Dos 35% consumidos pelo transporte, estima-se que o TRC consuma 1/3 disso, o que nos dá quase 12%, sendo o restante (24%) consumido por veículos de passeio, transporte de passageiros e transporte aquaviário;

– Destes quase 12%, metade (6%) são consumidos por caminhoneiros autônomos e a outra metade por empresas de TRC;

– Segundo números atuais da ANTT, existem no Brasil cerca de 400.000 caminhoneiros autônomos legítimos[¹] e ativos no Brasil, com veículos automotores de idade média que variam de 24,4 anos a 19,3 anos, de acordo com o tipo de veículo.

Visto estes números, vemos que o valor de R$ 10 bilhões gastos no subsídio do diesel poderia custear um programa de renovação de frota que beneficiaria 25% dos caminhoneiros legítimos[²], possibilitando reduzir a idade mínima da frota, com as incontáveis vantagens que isso proporciona, ou mesmo, ofertar uma indenização para retirada de circulação de caminhões velhos e sucateados, para que o transportador defasado deixe de exercer a profissão e assim se restabeleça o equilíbrio entre a oferta e a demanda, cuja inexistência é a grande causadora da crise pela qual passa o setor.

Ao invés disso, somente neste subsídio, dos R$ 10 bilhões gastos, apenas R$ 600 milhões chegaram a beneficiar os caminhoneiros, o restante foi distribuído para outros setores.

Estes números nos revelam com perplexidade que, ao invés de investirmos em capacitação e estrutura, esperamos ocorrer o desastre para agir de forma inconsequente e populista, com o objetivo de aplacar os ânimos, mas não necessariamente resolver o problema. Essa conduta não é exclusiva deste setor da economia, mas sim um comportamento padrão nas diversas áreas de nossa sociedade. Por exemplo: criminalidade x educação; tratamento de saúde x saneamento básico; acidentes de trânsito x infraestrutura viária; enfim, infinitos outros exemplos tipicamente brasileiros onde optamos por remediar, ao invés de prevenir, o que seria invariavelmente mais barato, menos danoso e mais producente.

Buscamos soluções simples e imediatas para tudo, mas “balas de prata” não existem. Nos últimos anos os caminhoneiros conquistaram o direito de receber o vale-pedágio independente do valor do frete; o pagamento eletrônico do frete, para evitar a extorsão da carta-frete; a estadia a R$ 1,38 a tonelada/hora, a ser atualizada desde 2015, para evitar a espera excessiva no descarregamento do caminhão; e, mais recentemente o piso mínimo de frete, para evitar os abusos decorrentes das distorções de mercado. Porém, o setor continua em crise e, ao invés de enfrentarmos a causa matriz do problema com reequilíbrio da oferta e demanda e aquecimento da economia, continuamos “correndo atrás do prejuízo”, custeando remédios caros e ineficientes nos momentos de crise aguda, que amenizam momentaneamente a agonia, mas não resolvem o problema de fato.

Nesse clima de um novo Brasil, a sociedade tem que aproveitar a oportunidade para repensar a maneira como enfrentamos nossos problemas. Problemas complexos exigem soluções complexas. Precisamos de fato nos concentrarmos na prevenção e em soluções efetivas e duradouras. Não falo aqui exclusivamente da classe política, já que ela nada mais é do que o reflexo de nós mesmos, mas sim de um choque de realidade para que consigamos caminhar para frente. Vamos correr atrás da vitória!

 

[1] Contabilizados apenas os caminhões acima de 8 toneladas, e os caminhão trator, que respondem efetivamente pelo Transporte Rodoviário de Cargas.

[2] Com o valor do subsídio, a título de exemplo, se poderia conceder um crédito a fundo perdido de R$ 100.000,00 para 100 mil caminhoneiros autônomos, para que deixem de exercer a profissão, ou renovem a frota, com complementação de financiamento bancário.

 

* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial, vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná e conselheiro da OAB-PR.  

Controvérsias nas relações de trabalho do caminhoneiro autônomo

Por Cleverson Massao Kaimoto*

 

O modelo que predomina no Brasil para o transporte de cargas é o modal rodoviário, que a partir da década de 1940 se intensificou ainda mais ante o incremento do processo de industrialização no país e o declínio do transporte ferroviário e marítimo no mundo. Mas uma recorrente controvérsia no âmbito da Justiça do Trabalho, ainda gera incerteza jurídica e, em consequência, o receio das empresas na contratação de autônomos nos dias atuais. Vamos contextualizar para que se entenda melhor o assunto.

O sistema rodoviário detém papel de relevante importância no crescimento econômico do país e grandes investimentos foram realizados no setor, influenciando no estabelecimento das atividades industriais e agrícolas nas regiões que detém estrutura viária, graças à possibilidade que o modal oferece de abastecimento por matérias primas (insumos) e escoamento da produção. O transporte rodoviário influencia todos os setores produtivos, como também impacta na arrecadação de impostos e na geração de empregos.

Assumindo este papel central na economia, o Transporte Rodoviário de Cargas tem na figura do transportador autônomo, habitualmente conhecido como caminhoneiro autônomo, um dos principais atores do segmento. E é neste universo de vital importância econômica, social e política que se inserem as relações contratuais dos transportadores, seja na figura de quem contrata o frete, representados pelos embarcadores e empresas de transporte de cargas (ETC) como na do contratado, função desempenhada pelo transportador autônomo de cargas (TAC).

Ambos são submetidos, por um lado, a Lei Federal nº 11.442 de 2007 que considera não haver, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego (Lei 11.442, 2007, Art. 5º) e de outro a Justiça Especializada do Trabalho, onde surge o reconhecimento de existência de laço empregatício entre a pessoa ou empresa que contrata o serviço e o trabalhador autônomo. Resulta daí a dúvida: Contratar transportador autônomo de cargas pode gerar relação de emprego?

Conforme exposto anteriormente, a Lei nº 11.442/2007 é federal e regulamenta o Transporte Rodoviário de Cargas, além de disciplinar, entre outras questões, a relação contratual existente entre os atores do setor, caracterizando-a como uma relação comercial, de natureza civil. Dessa maneira, a legislação em apreço, prevê e regula a contratação do profissional autônomo para a realização do transporte, especificamente sem restar configurado qualquer vínculo empregatício.

O Art. 2º e 5º da Lei nº 11.442/2007 prevê referida condição:

 

Art. 2º A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTR-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, nas seguintes categorias:

I – Transportador Autônomo de Cargas – TAC, pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional;

II – Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC, pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal.

Art. 5º As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

 

O nosso ordenamento jurídico estabelece que há presunção juris tantum de constitucionalidade dos atos normativos primários, ou seja, uma lei existe, é válida e eficaz, até que se prove o contrário, o que torna a Lei 11.442/2007 presumidamente constitucional. Porém, consta que da Justiça Especializada do Trabalho colhe-se uma multiplicidade de decisões que ora consideram a aplicação da referida lei, ora não consideram.

Para exemplificar, trouxemos dois julgados que evidenciam a controvérsia. O objetivo é ilustrar, em casos concretos, quando a Lei 11.442/2007 foi aplicada, afastando-se o vínculo de emprego e quando deixou de ser aplicada, havendo, nesta hipótese, o reconhecimento do vínculo empregatício.

 

TRANSPORTADOR AUTÔNOMO DE CARGAS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. LEI 11.422/2007. Evidenciado no caso concreto que a relação jurídica havida entre as partes litigantes é de natureza comercial, submetida aos ditames da Lei 11.422/2007, não há falar-se em reconhecimento de vínculo de emprego, porquanto o reclamante, como transportador autônomo de cargas, assumiu os riscos do negócio. (TRT-3 – RO: 02008201403703004 0002008-39.2014.5.03.0037, Relator: Convocado Jose Nilton Ferreira Pandelot, Turma Recursal de Juiz de Fora, Data de Publicação: 23/07/2015)

 

RECURSO DA RECLAMADA COMPETÊNCIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. LEI 11.442/07. A legislação invocada pela defesa – Lei nº 7.290/84 e Lei nº 11442/07 – se refere às hipóteses de prestação de serviço autônomo de transporte de carga, não tendo o condão de afastar da jurisdição trabalhista a análise e apreciação de pedido de reconhecimento do vínculo de emprego, pela presença de seus pressupostos fático-jurídicos. Rejeito. VÍNCULO DE EMPREGO. A empresa atraiu para si o ônus da prova em relação à natureza autônoma dos serviços prestados e dele não se desincumbiu. A prova produzida confirma a presença de todos os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego. Recurso empresarial a que se nega provimento. MULTA DO ART. 477 DA CLT. A multa do artigo 477 é indevida ante à inteligência do disposto na OJ nº 351 da SDI-I do TST, a qual foi cancelada, mas permanece a ideia central. Recurso provido. ENTREGA DAS GUIAS DO CD/SD. O que fez a n. Julgadora, convencida da ilicitude praticada pelo empregador, foi deferir a antecipação da tutela definitiva, fixando astreintes, buscando garantir a tutela específica da obrigação de fazer, na exata forma prevista no art. 461 e seus parágrafos, do CPC, não havendo qualquer irregularidade ou ilicitude em tal determinação, muito menos a necessidade de se esperar o trânsito em julgado para tanto. Provimento negado. RECURSO DO RECLAMANTE HORAS EXTRAS. SERVIÇO EXTERNO. Não comprovada a situação excetiva do art. 62, I da CLT. Os depoimentos do preposto e da testemunha Luiz Alberto são no sentido de que havia efetiva fiscalização das jornadas, com a pré-fixação pela empresa das rotas a serem atendidas, bem como o controle com a utilização de celular e com a obrigação de estar na empresa no início e no fim das jornadas.. Recurso provido. SALÁRIO PERCEBIDO. Presume-se que o que não era salário, era ajuda de custo, o que atrai a incidência do art. 457, § 2º da CLT, segundo o qual essas são incluídas no salário quando excedam de cinquenta por cento do salário. Recurso a que se dá provimento. (TRT-1 – RO: 7602920125010016 RJ, Relator: Enoque Ribeiro dos Santos, Data de Julgamento: 27/08/2013, Quinta Turma, Data de Publicação: 04-09-2013)

 

Ao avaliar as diversas decisões que versam sobre a matéria, é possível notar que os Tribunais argumentam que, verificados os requisitos constantes dos Arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente a subordinação, domina o reconhecimento do vínculo empregatício. Dando voz a aplicação do princípio da primazia da realidade sobre a forma, ou seja, a verdade dos fatos impera sobre qualquer contrato formal. Este entendimento culmina em aparente conflito de normas entre a legislação trabalhista mencionada e a lei que regulamenta o transporte de cargas.

De modo que se faz questionar: qual o critério que diferencia o trabalho autônomo e o contrato de emprego, e quando exige a aplicação de uma ou outra norma? Ambas se configuram como prestação de serviços e prestação de mão de obra do trabalhador, porém se faz distingui-las posto que o Direito do Trabalho não se projeta para ambos, mas apenas àquela onde há relação empregatícia.

O Professor Dallegrave Neto afirma que a relação de trabalho “é qualquer vínculo jurídico que tiver como objeto a prestação de serviço de um determinado sujeito a outrem”, conceito que abrange neste caso, a atividade exercida pelo transportador autônomo. Já a relação de emprego, segundo o Professor “é espécie da relação de trabalho e corresponde à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa física”.

Nessa acepção é possível adotar o critério da subordinação como elemento de diferenciação entre o contrato de trabalho de transporte autônomo e o contrato de emprego. Porém há julgados que remetem a outros critérios para se identificar esta distinção, como a habitualidade e a pessoalidade. Portanto caberia a reflexão acerca da necessidade da conjugação de uma série de pressupostos para a caracterização do contrato de emprego, cuja soma destes elementos fático-jurídicos apresentariam com mais veemência a distinção entre empregado ou profissional autônomo.

De outra parte, extrai-se que mesmo o contrato de profissional autônomo envolve algum tipo de subordinação, na medida em que subsiste, de algum modo, o direcionamento da prestação de serviços pelo tomador. E no desejo de que a atividade contemple as expectativas do contratante, há necessidade, em muitas vezes, da aplicação de comandos (e/ou direcionamentos) por parte de quem contrata, sob pena, até mesmo, da prestação se tornar ineficaz.

E no cumprimento destes direcionamentos se materializa, pela maneira como se desenvolve a atividade, a caracterização de um outro elemento na relação contratual, a chamada dependência. Na esfera do transporte de cargas exercida pelo autônomo, muitas vezes o profissional acaba se sujeitando ao controle do contratante na execução de sua tarefa, tais como cumprimento de hora limite para a realização do frete, forma correta de acomodação da carga, sanção por atraso no descarregamento, entre outros, assumindo, desta maneira, uma posição de hierarquia inferior em relação ao contratante.

Nessa condição, outro aspecto que evidencia essa característica de dependência é no enfoque econômico. O caminhoneiro autônomo muitas vezes desenvolve sua atividade preponderantemente à um determinado tomador, sujeitando-se às regras e diretrizes impostas pela empresa que o remunera, numa condição de certa autonomia, porém mesclada com certo controle.

Nessa seara da relação do trabalho em que transportador autônomo submete-se aos comandos da empresa, no entanto sem se enquadrar com exatidão numa concepção de trabalho subordinado e que, mesmo assim, não vislumbra com perfeição a sua característica de autonomia, nasce um outro conceito que foge da clássica divisão, conhecido como parassubordinação. Uma espécie de gênero intermediário entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, sendo parassubordinado.

Sendo assim, conclui-se que a controvérsia, aliada a realidade fática do transportador rodoviário autônomo e as intervenções da justiça especializada, está distante do apaziguamento. Para aqueles que defendem a aplicação da lei especial, porque, antes de mais nada, existe diploma normativo específico, a análise da relação contratual sob a ótica do princípio da primazia da realidade sobre a forma, configura negativa de aplicação da norma cogente. O entendimento é que a realidade do contrato do TAC é clara e absoluta e não deveria estar sujeita à um desvendamento por parte do referido princípio, eis que a realidade é uma só, deve ser enquadrada na lei do setor e possui natureza comercial, ainda mais quando preenchidos todos os requisitos nela previstos.

De outra parte, mesmo ante a presunção de impossibilidade de vínculo empregatício, conforme a regra do Art. 5º da Lei 11.442/2007, vimos que dita presunção é relativa e há reconhecimento de relação de emprego quando a relação jurídica entre as partes se enquadra nas disposições dos Arts. 2º e 3º da CLT. Isso porque não raras vezes, a prestação do serviço não conta com a menor margem de autonomia real e efetiva, além da evidente assimetria econômica existente entre o transportador autônomo e a empresa contratante, estabelecendo uma real subordinação daquele às condições impostas para a execução do trabalho.

A complexidade da relação não é exclusiva dos transportadores autônomos, mas avança para todos aqueles que eventualmente prestam serviços com autonomia, tais como representantes comerciais, corretores de imóveis, encanadores, pintores, diaristas, entre tantos outros. Sendo assim, para a conclusão da natureza do contrato de trabalho do transportador autônomo, compreendo que é necessária a análise pormenorizada de cada caso concreto. Ao identificar a realidade fática de cada caso, é possível assinalar o preenchimento dos requisitos para o exercício da atividade na modalidade autônoma, excluindo o contratante da relação de emprego, como também é possível desconfigurar qualquer tentativa de fraude à legislação trabalhista em desfavor do trabalhador.

O debate já está no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A Confederação Nacional do Transporte (CNT) manejou Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 48) questionando a efetiva constitucionalidade da Lei 11.442/2007, especificamente no que tange à caracterização da relação comercial e ausência do vínculo de emprego. A ação foi distribuída ao ministro Roberto Barroso que, em decisão cautelar, determinou a suspensão de todos os processos da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação de dispositivos da norma que regulamenta a contratação de transportadores autônomos por proprietários de carga e por empresas transportadoras. A medida cautelar está pendente de julgamento pelo plenário do STF.

 

* Cleverson Massao Kaimoto, OAB/PR nº 23.379, advogado atuando na área de Direito Sindical e Assessor Jurídico da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos – CNTA.

 

Gestão Jurídica Contratual: um departamento estratégico

Por Mirielle Eloize Netzel*

 

O contrato é uma ferramenta indispensável para todo e qualquer negócio, por isso demanda elevada atenção. Ele precisa ser analisado e aperfeiçoado constantemente. Apesar disso, um risco bastante comum da atividade empresarial é a assinatura de contratos sem que ocorra a prévia e adequada análise e discussão das cláusulas contratuais. Essa situação abre espaço às incoerências, controvérsias e ao desequilíbrio contratual. A problemática fica ainda mais evidente com a amargura dos riscos e prejuízos experimentados que poderiam ter sido evitados através do apoio de uma gestão jurídica estratégia.

O primeiro passo para mudar esse cenário é desmistificar a visão da empresa de que o departamento jurídico assume o seu papel somente para solucionar conflitos ou em litígio judicial. Esse entendimento de limitar a atuação do advogado após o surgimento do problema precisa ser eliminado para dar lugar a antecipação e prevenção dos riscos, como o apontamento de precauções contratuais voltadas a garantir desde a menor preocupação até a minimização do litígio.

A adoção desse primeiro passo permitirá que a empresa avance para a gestão jurídica contratual traçada com o apoio estratégico de um profissional capacitado. Esse especialista deve estar presente desde a fase pré-contratual com o apontamento dos riscos envolvidos, precauções necessárias e prevenção de riscos e transtornos a partir do conhecimento específico do objeto e das normas a serem aplicadas a cada contratação, seja ela com fornecedores, parceiros, clientes, prestadores de serviços, entre outros.

A gestão jurídica contratual se propõe a ir muito além do conhecimento jurídico a ser aplicado àquela situação. O trabalho envolve conhecer a especificidade do serviço, as necessidades do negócio e eventuais dificuldades no cumprimento das obrigações para a estruturação de procedimentos, adoção de critérios e padrões mínimos de contratação que atendam as políticas da empresa.

Assim, o contrato passa a ser elaborado com segurança e garantias estipuladas através de cláusulas contratuais específicas, aperfeiçoadas e inseridas num ambiente de equilíbrio entre as partes contratantes. A organização adequada desses contratos facilitará o acompanhamento de prazos e condições na execução e cumprimento, assim como, a reanálise da pertinência, o comparativo de preços e a necessidade de rescisão contratual daquelas obrigações que se tornem dispensáveis ou demasiadamente onerosas.

As vantagens da gestão jurídica contratual são rapidamente observadas e contribuem em grande escala para o desenvolvimento da atividade empresarial. Dentre elas destacam-se um menor índice de preocupação, redução não só do ciclo da contratação como também dos custos e riscos contratuais e minimização de litígio.

 

* Mirielle Eloize Netzel é advogada, sócia e coordenadora da área cível do Escritório Motta Santos & Vicentini.

 

Meios atípicos de execução

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe alterações significativas no âmbito da execução ao instituir novas medidas para a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações judiciais.

Além dos meios já conhecidos para se buscar a garantia das execuções, como a expedição de certidão para fins de averbação em registro de imóveis, de veículos, ou de outros bens sujeitos à penhora, conforme previsto no art. 615-A do CPC de 1973, mantida no art. 828 do CPC de 2015, outras medidas executivas foram trazidas expressamente pela nova legislação, como a possibilidade de decisão transitada em julgado ser protestada, quando a obrigação não é cumprida no prazo legal (art. 517), bem como a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes (art. 782, § 3º).

No entanto, o que mais tem ganhado destaque na jurisprudência brasileira é o disciplinado no art. 139, inciso IV, que estabelece ao Juiz o dever de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Significa dizer que os meios típicos executivos, como a fixação de multa e penhora de bens, não são mais os únicos viáveis para forçar o cumprimento de ordem judicial pelo executado.

Logo após a legislação entrar em vigor, muitos pedidos fundamentados no referido dispositivo, com o objetivo de forçar o devedor a cumprir com a obrigação de pagar, passaram a tramitar no judiciário, como por exemplo, a apreensão do passaporte e da carteira nacional de habilitação do executado, proibição de participação de concurso público ou de licitações públicas, bloqueio de cartões de crédito, entre outros.

A primeira decisão que se tem notícia sobre o tema foi proferida pela Juíza de Direito Andrea Ferraz Musa, da 2ª Vara de Cível do Foro de Pinheiros-SP, que determinou a suspensão da CNH, a apreensão do passaporte, e ainda o cancelamento dos cartões de crédito do executado até o pagamento da dívida. A magistrada afirmou que todas as medidas executivas cabíveis já haviam sido tomadas no processo, de modo que a medida coercitiva pode se mostrar efetiva.

A questão foi levada para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu de forma diversa e suspendeu a decisão da Juíza, sob o principal fundamento de que as medidas impostas “restringem a liberdade pessoal e o direito de locomoção do paciente”, e que é impossível “impor medidas que extrapolem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Outros tribunais também já estão se manifestando acerca do tema, sendo que a maioria tem se posicionado de forma contrária à inovação legislativa para os requerimentos supramencionados, eis que há necessidade de dar interpretação à norma de modo condizente com as garantias constitucionais asseguradas aos indivíduos.

Contudo, ainda não há definição do assunto pelos tribunais superiores, sendo que a tendência é que cada vez mais haja requerimentos e decisões sobre o tema, criando correntes jurisprudenciais favoráveis e contrárias à aplicação de medidas atípicas nas execuções, além do que poderão ainda surgir novos pedidos com fundamento no referido dispositivo legal.

A inovação trazida pelo art. 139, inciso IV do CPC, ao amplificar os poderes do juiz na seara executiva, para o fim de conceder novas medidas para forçar o devedor a cumprir com a obrigação que lhe cabe, não autoriza qualquer prática de arbitrariedade na condução do processo de execução. Qualquer decisão que determine a aplicação de qualquer método executivo atípico, deve sempre tomar como base os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da menor onerosidade para o devedor.

Assim, as medidas atípicas de execução devem ser analisadas caso a caso, para que alcance a finalidade a que se destina, isto é, forçar o devedor a cumprir com a sua obrigação de pagar a dívida, de forma a satisfazer o crédito e encerrar o processo.

Indianara Proênça Lima

Pós-graduanda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora Jurídica da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos – CNTA e advogada atuando na área cível, trabalhista e sindical no escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados.

Os benefícios do Planejamento Patrimonial

Por Helder Eduardo Vicentini*

 

Você já parou para pensar para quem vai ficar seu patrimônio após o falecimento? Não é fácil aceitar o fato da morte, mas também não há como negar que um dia ela ocorrerá. Talvez essa dificuldade seja um dos principais fatores impeditivos de realizar um planejamento patrimonial sucessório adequado, que seja o reflexo do interesse daquele que nos deixa, e que venha, sobretudo, evitar a digladiação dos sucessores pelo patrimônio daquele que já se foi.

Longe de querer levar o leitor a qualquer desconforto decorrente do questionamento. A pergunta inicial tem o simples intuito de provocar uma reflexão sobre quais seriam as consequências patrimoniais decorrentes de seu falecimento.

Planejar o patrimônio significa adotar um conjunto de estratégias que visam evitar disputas societárias e familiares, impedindo que o patrimônio, ou mesmo a continuidade da atividade empresarial, sejam colocados em risco. Esse conjunto de estratégias vai desde o planejamento dos aspectos tributários, até mesmo à contratação de seguros ou planos de previdência que possibilitem aos sucessores liquidez imediata das despesas que serão originadas a partir da abertura da sucessão.

Com relação aos benefícios, são inúmeros, e sem querer esgotá-los, podemos citar:

i) a já mencionada pacificação entre os sucessores. Já que não podemos levar nosso patrimônio para o além, pense quão gratificante seria deixá-lo de uma forma organizada para os sucessores, de forma que cada um soubesse exatamente o que tem direito a receber, e sem deixar margens para eventual discussão judicial.

ii) a possibilidade de perpetuação da atividade empresarial, pois nessa hipótese de planejamento são pensadas as regras que serão adotadas pela empresa, pelos sócios remanescentes, ou por aqueles que nela adentrarão em razão da sucessão, evitando que pessoas sem afinidade com o negócio, ou sem habilidade de administração, venham a assumir o controle da empresa.

iii) a economia tributária, à medida que a ausência de planejamento pode levar a um pagamento maior do que efetivamente seria com um plano adequado.

iv) a redução do tempo para transferência do patrimônio aos herdeiros, uma vez que a demanda judicial é deixada de lado e todo patrimônio é transferido aos sucessores de forma antecipada, ou de maneira amigável.

v) a segurança jurídica, pois desde antes da abertura do processo de sucessão as partes já sabem o valor que lhes cabe, isso se já não receberam essa quantia quando o sucedido ainda era vivo.

Esses benefícios, logicamente, vão sempre depender da estratégia adotada, que merece ser analisada com cautela e mediante uma assessoria responsável, com amplo conhecimento técnico e com uma visão geral das consequências de cada passo do planejamento, sob pena de serem adotadas medidas que podem colocar em risco o patrimônio, aumentar o custo de todo o procedimento sucessório, ou ainda, gerar disputas decorrentes de um plano desequilibrado.

Planeje sua sucessão, ainda que isso não te garanta um lugar no céu, certamente evitará com que seus sucessores venham a viver um período no inferno e coloquem em risco toda a riqueza produzida durante longos e árduos anos de trabalho.

 

Helder Eduardo Vicentini – Advogado, sócio do escritório Motta Santos e Vicentini Advogados Associados.