Artigo publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo
Por Alziro da Motta Santos Filho*
A crise que assola o país desde 2012 atinge o setor de transporte rodoviário de cargas com elementos especialmente dramáticos. Como se trata do setor que transporta os bens produzidos e comercializados, a redução na atividade econômica afeta o setor de forma mais severa e rápida.
Porém, o transporte rodoviário de cargas agoniza não só por conta da redução do volume de cargas transportadas, mas também pelo endividamento dos transportadores e pelo excesso de equipamentos no mercado, provocados pelo irresponsável incentivo dado pelo Governo Federal, nos anos de 2011 a 2012, que concedeu crédito para aquisição de caminhões a juros de 4,5% ao ano, além de redução do IPI sobre veículos novos e do IOF sobre o financiamento de veículos. As medidas visavam atender a um suposto futuro aumento da demanda de cargas, o qual, veríamos mais tarde, jamais se concretizaria, bem como para agradar as montadoras de veículos. Ambos os atos tinham por pano de fundo incrementar artificialmente os índices de medição da economia.
Ocorre que a crise que se sucedeu depois das ditas medidas, atingiu o setor no seu momento mais frágil: endividado pelo investimento feito em novos caminhões (cerca de 350 mil veículos novos entraram no mercado em 3 anos) e com superoferta de veículos. Isso fez com que os preços de fretes despencassem vertiginosamente.
Vemos que desde então, enfrentamos movimentos paredistas de caminhoneiros cada vez mais intensos e avassaladores. Tivemos paralisações em 2012, 2015 e a última em 2018, e desde então, o país vive sobre uma constante ameaça de nova revolta deste setor.
Por certo que a fama de manifestantes recai sobre os ombros dos caminhoneiros autônomos. Porém, o Brasil é esmagadoramente atendido neste setor por transportadores de porte pequeno, ou seja, ou são caminhoneiros que trabalham com seu CPF, ou caminhoneiros “pejotizados”, visto que, além dos 400 mil caminhoneiros existentes, as empresas de transporte de cargas, que tem uma frota de 1,2 milhões de veículos, possuem em média, 4 veículos automotores por CNPJ. Vê-se que somos um país transportado por microempresas e pessoas físicas, e, obviamente, na estrada, os caminhoneiros não sofrem os efeitos da crise sozinhos. Estas microempresas passam pelas mesmas mazelas.
Nos movimentos de paralisação que se sucedem desde então, o diesel é pauta constante das reivindicações. Caminhoneiros querem a redução do Diesel como forma de reduzir o custo e, assim aumentar sua lucratividade. O subsídio dado pelo Governo Temer, de R$ 0,46 sobre o litro do diesel, que durou 7 meses, custou aos cofres públicos algo próximo de R$ 10 bi. Todo esse dinheiro foi gasto mas não resolveu em absolutamente em nada os problemas do setor.
Os caminhoneiros autônomos respondem por meros 6% do volume do diesel consumido no Brasil. Outros 6% seriam das microempresas de transporte. Ainda assim, teríamos apenas uma fração mínima de 12% do consumo destinado aos manifestantes, e o restante veio a beneficiar os contratantes dos serviços de transporte de cargas (indústria, comércio e agronegócio) que consomem óleo-diesel em seus meios de produção.
Vemos que a redução do preço do diesel apenas trará mais agruras para o transporte de cargas, pois o valor do frete será imediatamente reajustado conforme a variação negativa do diesel. Sem contar ainda com um possível ingresso de novos transportadores, seduzidos pelos custos ilusoriamente baixos dos combustíveis.
O que causa maior impacto no bolso dos transportadores, portanto, não é o preço do óleo em si, já que este será absorvido pelo frete que deve, ao final do dia, custear este insumo. Mas sim, o que causa dano ao setor é a constante e imprevisível variação do preço do combustível. Tal qual como é feito hoje, de forma desavisada e por vezes diária, impossibilita ao setor repassar eventual custo para o frete, visto que muitas vezes ele já está contratado.
Missão difícil das entidades de classe representativas do setor: informar a sua categoria de que a sua principal reivindicação, mesmo se atendida, não melhorará as condições de trabalho, mas sim, culminará em maior arrocho e dificuldades.
Portanto, se o governo quiser ajudar o setor como um todo, precisa estabelecer critérios de periodicidade para aplicação da variação do combustível. Assim o setor pode se organizar e, eventualmente, sofrer menos neste cenário.
* Alziro da Motta Santos Filho é sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial.