Por Helder Eduardo Vicentini*
Quando a crise financeira assolou os Estados Unidos nos anos de 2008 e 2009, muitos brasileiros viram a oportunidade de fazer investimentos imobiliários naquele país. Afinal, os preços dos imóveis eram atrativos e, pela pujança econômica daquela nação, era certo que em curto ou médio prazo, ocorreria sua plena retomada econômica. Foi justamente o que ocorreu, e atualmente muitos brasileiros mantêm seus investimentos naquele país.
A crise político-econômica que assolou o Brasil entre os anos de 2014 e 2017, e o manifesto descontentamento e desânimo que existia com o cenário político nacional, fez com que muitos brasileiros mudassem seu domicílio e seus investimentos para outros países, sobretudo para os Estados Unidos ou países da Europa, como Portugal. Sendo que desses brasileiros, muitos continuam morando fora do Brasil, ou mantêm, ainda que parcialmente, seu patrimônio fora dele.
Tanto a primeira como a segunda situação acima expostas são movimentos naturais, ora decorrentes de oportunidades de investimentos, ora decorrentes de fatores políticos ou econômicos. São situações que incitam à busca de outros cenários que possibilitem uma maior tranquilidade àquele brasileiro que decide emigrar para outros países.
Da mesma forma, é natural que esses brasileiros não consigam se adaptar com a cultura estrangeira, e acabem retornando ao país de origem, ainda que mantenham os investimentos realizados no exterior.
São cenários corriqueiros, mas que devem despertar a atenção do titular desses bens quanto à sucessão patrimonial, ou seja, em caso de seu falecimento. Alguns questionamentos precisam ser efetuados para que possamos entender como ficará esse patrimônio, pois é preciso saber onde deverá ser realizado o inventário dos bens deixados pelo falecido. E também, qual a lei que se aplica no caso de sucessão, a do local do bem ou a do local do domicílio do falecido.
As respostas envolvem o estudo de regras de direito internacional privado sobre a aplicabilidade da norma e, a princípio, estão estampadas na Lei de Introdução às Normas Brasileiras e no Código de Processo Civil. Mas, algumas também decorrem de interpretações jurisprudenciais que foram firmadas ao longo do tempo.
Alguns países adotam como regra a unicidade do juízo sucessório, o que significa dizer, que depende do critério eleito pelo legislador, ele pode utilizar a nacionalidade do autor da herança ou a localidade de seu domicílio para a realização do inventário de todos os bens, independentemente deles estarem localizados no país de seu domicílio ou fora dele. Assim, é feito apenas um processo de partilha.
Contudo, o legislador brasileiro adota uma regra diferente, a da pluralidade de juízos sucessórios, fazendo com que seja possível a ocorrência de mais de um inventário, a depender da localização dos bens.
Nesse sentido, a partilha dos bens que estejam localizados no Brasil, deve ser realizada obrigatoriamente em terras brasileiras, sejam eles móveis, imóveis, dinheiro, investimentos, ou mesmo participação acionária em empresas, independentemente da nacionalidade ou do domicílio do autor da herança. Por outro lado, para os bens que estejam localizados fora do Brasil, será necessário que se faça a partilha onde esses bens estiverem localizados.
Contudo, é importante mencionar que, ainda que os bens estejam localizados no Brasil, caso o autor da herança, seja ele brasileiro ou não, tenha seu domicílio estabelecido em outro país, é a regra deste outro país que se aplicará nas questões do inventário. Como, por exemplo, para identificar quem tem a capacidade de ser herdeiro, qual o percentual devido a cada herdeiro, a forma como esse patrimônio será partilhado, etc.
Logicamente, o legislador do Brasil não poderia deixar desprotegidos os herdeiros brasileiros, quando o autor da herança tiver seu domicílio no exterior. Ainda que se aplique a norma estrangeira, aos brasileiros é garantida a aplicação da lei brasileira, caso ela seja mais favorável a esses herdeiros. Contudo, essa mesma regra não se aplica nas situações em que hajam bens a inventariar no Brasil, mas em que todos os herdeiros sejam estrangeiros. Nessa situação, aplica-se apenas a regra estrangeira do país de domicílio do autor da herança.
Portanto, àqueles brasileiros que decidiram investir seu patrimônio em outros países, ou àqueles que optaram por estabelecer domicílio fora do Brasil, é importante ter um olhar atento para a plena compreensão de como seu patrimônio se comportará em caso de sucessão. Um bom planejamento sucessório pode ser uma boa estratégia para facilitar a partilha de bens entre os herdeiros, de forma a evitar contratempos ou dificuldades que possam surgir quando for aberta a sucessão.
* Helder Eduardo Vicentini – OAB/PR 24.296- Advogado, sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial.