O anjo é, originariamente, o servidor de Deus e mensageiro entre Ele e os homens. Porém, na literatura encontramos a definição mais exata do anjo que trataremos aqui. Segundo Heloisa Armanni, “anjos são seres iluminados, que nos auxiliam em nossa pobre trajetória, para que não caiamos por terra, caso encontremos pedras no caminho… sejam elas pequeninos pedregulhos, sejam gigantescos paralelepípedos.”
No mundo dos negócios existe o investidor-anjo, que investe seu próprio capital em empresas com um projeto de alto potencial de crescimento, tais como as startups. O anjo é um profissional experiente, por vezes de renome na área da empresa que recebe o investimento. Além de realizar um aporte financeiro, agrega valor ao empreendimento com seus conhecimentos, experiência, network, dentre outros ativos intangíveis, que potencializam a ideia do empreendedor.
O investidor-anjo tem como objetivo direto obter alto rendimento pelo aporte financeiro realizado, mas é assim cuidadosamente chamado por não se restringir ao investimento monetário. Auxilia em toda a caminhada da pequena empresa rumo ao sucesso, trabalho que parece se encaixar na definição poética do início.
No Brasil, a cultura nacional de investimento de terceiros no empreendedorismo ainda engatinha. Recentemente, porém, o Congresso Nacional, por meio da Lei Complementar 155/2016 que modificou o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (LC 123/2006), regulamentou este tipo de investimento. Para incentivar as ações de fomento à inovação e os investimentos produtivos, e facilitar o caminho de quem está buscando dinheiro para sua startup e de quem quer investir nelas e auxiliar no seu crescimento.
Para formalizar este investimento, necessário se faz estabelecer o contrato de participação, estabelecendo as obrigações mútuas, as finalidades de fomento à inovação e investimentos produtivos, com vigência não superior a sete anos. Também o investimento realizado sob estas características não integra o faturamento da empresa, não interferindo, assim, no acesso ou manutenção no Simples Nacional.
O balizador principal desta regulamentação é que o anjo não tem participação societária. Investe buscando um retorno, mas não adquire parte da empresa. Isso é muito importante para o investidor, já que desta forma não é responsável pelas obrigações do negócio, sendo intocável no caso de uma eventual desconsideração da pessoa jurídica contida no artigo 50 do Código Civil. Porém, esta proteção vem junto com certos limites e condições para atuação na startup.
Como o anjo não tem participação nas cotas, o controle acionário permanece nas mãos do empreendedor, sendo vedado ao investidor interferir na condução da empresa, exercendo, assim, cada qual o seu papel. Isto não significa que nas relações usuais o empreendedor não deva prestar contas nem deixar de conversar com o investidor em decisões estratégicas, pois isto é fundamental para uma parceria saudável e de longo prazo. Além disso, são nesses momentos que a experiência e o conhecimento do investidor-anjo fazem toda a diferença para o empreendedor.
O prazo máximo para a remuneração dos aportes feitos é de cinco anos, e limitadas a 50% dos lucros obtidos pelo empreendimento.
Ainda, o investidor só poderá exercer seu direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte do capital, e só receberá, neste caso, o valor de seu investimento, com correção, objetivando assim um mínimo de estabilidade ao empreendedor, afastando o capital meramente especulativo e volátil.
Por último, caso os sócios decidam pela venda da empresa, o anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital.
De modo geral são regras de direito comercial condizentes com as práticas habituais do mercado. Contudo, na contramão da intenção desta Lei Complementar, a Receita Federal do Brasil estabeleceu altos percentuais de tributos para os contratos de participação que, somados aos riscos inerentes de investimentos em inovação, tendem a afastar os investidores, principalmente os pequenos.
Contudo, apesar da insaciável sede arrecadatória do Estado Brasileiro, há que se elogiar a normatização descrita acima, visto que, do ponto de vista tanto do empreendedor quanto do anjo, estabeleceu-se regras claras para ambos, delimitando acertadamente os papéis dos players. Trazendo, assim, a indispensável segurança jurídica para esta nova espécie de contratação que, pelo seu incentivo à inovação, tem peso relevante no desenvolvimento de um país sustentável que pretendemos construir.
Alziro da Motta Santos Filho
Sócio-fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advogados Associados. Especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial. Vice- presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná. Conselheiro da OAB-PR